Eu acordo de manhã já apavorada, porque sei que abrir esse e-mail, com meu nome completo, agora “sério”, cobra minimamente um bocadinho do meu sangue. Já separei uma pasta chamada “textos a ler” para onde mando todos os artigos que eu deveria estar estudando para ser melhor (dadora de aula, pesquisadora, administradora, gerente de marketing, palhaça de plantão – pensar, nada!) mas, sem nenhum tempo para isso...
Sem ânimo também, que no ritmo em que se anda, trabalho virou emprego e só sigo em frente porque viciei no salário inteiro e tenho medo.
Imagino que a pasta textos a ler percorra o caminho do buraco negro para um infinito que eu também já deixei de sonhar, pois não lembro das cores do escorregador de arco-íris que nos leva para lá. Aliás, faz quase dois anos que quase não sonho.
Eu invejo quem ainda está frequentando às 4as-feiras aquele boteco do azulejo azul, jogando sinuca entre tiozinhos descendentes de escravos de canavial e uns poetas bêbados vomitando Dostoievski para seduzir garotinhas com síndrome das letras. Todas, todas, com um quê de “não sei pra que lado corto”, então se foda, vamos tod@s foder. E isso sempre foi divertido...
Também invejo se alguém estiver lá ouvindo uma banda que toca anos 80, que eu só ouvi aqui na festa que eu selecionei o repertório e era tudo no meu micro. E dancei a noite toda, até cair mesmo, de tanto tempo e nostalgia e desejo. Eu não me adapto muito bem a lugares em que as melhores músicas não tocam assim, de repente, no rádio, numa tarde de chuva fina. Fazendo a gente vibrar, sabe? Chorar, às vezes...
O caso/caos é que eu sinto falta de música que eu gosto, de sair, de ter lugar para sair, e lá tocar música que gosto, de escrever, de encontrar gente muito diferente, mas que é parecida, de eu poder não ir ao teatro porque tou sem saco pra essas porras de intelectual, não porque não tem, de ter gente pra discutir literatura, da que interessa e não de ensino de ciências, de ir a exposição de arte sem noção, de jogar sinuca com uns bêbados que leem Goethe e Nietsche. E de discutir música com alguém que ganha de mim no song pop!!!!!!!
De ter mais o que fazer do que jogar songpop... e de dizer tudo que eu sinto e as pessoas me dizerem também e não ficarem guardando seus monstros e pensando “tadinha”, como eu tenho sentido...
Eu às vezes me belisco e penso que não, não, eu não posso ter cometido a burrice de voltar para um lugar do qual passei sete anos reclamando e dois gostando muito: (7 > 2).
Agora avaliando que estes últimos dois, menos a ver com o lugar, era lindo porque era um tempo. Um tempo de um grupo de pessoas que se encontrou e que, quando juntas, tornavam tudo mais bonito e especial. E elas estão todas aqui agora novamente, mas tão bizarramente diferentes, que os tempos estão diferentes e quase não nos vemos. Mais dolorido é que cada uma também mudou e não é só o tempo que nos desune.
…
Ah! e também teve dois amores incrivelmente dramáticos que davam um toque de canela nessa mistura toda...
mas lá... em quatro anos teve... hummmm... seis! Teve um que eu me apaixonei na mesma noite. E sofri por uns dois meses, sem vê-lo, sem notícias... era uma delícia! Pensem nos outros, que duraram mais tempo e pareciam umas novelas bregas, mas com poesia, filosofia, música e estrada.
Acho que sou um novo tipo de adicto: me viciei em salário. E não é no tanto, porque nem é tanto, mas na periodicidade. Dia primeiro estará lá. E eu posso continuar levando a vida infeliz que eu levo, mantendo essa rotina cu, para poder ter do que reclamar nas sextas à noite de TPM, sentindo pena de mim mesma, porque eu sou mesmo, muito coitadinha... e nem ter pena de mim eu consigo direito, porque tem gente que passa fome e eu sou uma “burguesinha privilegiada”. Como se isso também não doesse..
Hoje minha mãe fez aniversário e eu não pude estar lá. E tenho pensado que meus avós também estão longe e, cada vez mais tiozões e meu pai, sempre tão distante, mas que bastava sentar junto. E lá eu os via, ao menos uma vez por mês, mas aqui anda tão difícil e eu sinto tão pouco deles na minha vida. E um monte de outras pessoas fofas... os amigos que cuidavam, os amigos que saíam junto, os amigos que eu cuidava, os que eu conversava sério, os que eu não conversava nada que prestasse... e todos eles devem estar diferentes também e... passou, e dói: parece também que eu perdi.
E eu não vou embora, não vou, e me perguntam: por que eu não vou embora? Dói de pensar, mas tenho medo de me carregar para lá e tudo continuar ruim, mesmo desse outro jeito e eu ter que olhar e encarar mesmo, que... talvez, o problema seja eu e como eu sinto meu lugar no mundo. E que essas mudanças só fazem disparar isso que me queima.
Mas será que é isso? E aquela sensação estranha de horror e felicidade de ter oito vizinhos te dando bom dia ou reclamando do barulho de ontem, porque todos moravam no mesmo quintal. Mas que eu ia na casa da frente quando o dia tava muito doído e conversar com um deles me botava de pé no chão, que era de melhor-amigo-quase-irmão, que eu não sei como começou mas, agora me odeia tanto... e a Mel também ainda era um bebê, apesar de todo mundo achar que ela era velha. E agora que ela tá velha mesmo, dá uma dor tão grande pensar que ela também, não aguenta aqui, essa casa pequena e sem gente, e eu passando muito tempo fora que ela divide apenas com a Brisa, sendo que ela é racista de gatos e a Brisa é um gato. Eu nunca entendi odiar alguém: eu só odeio gente que eu amo.
Fico pensando que eu deveria casar e ser sustentada: porque eu adoro cuidar da casa (mas, não, limpar) e fazer comida todo dia, roubar flores, andar de bike, fazer musculação, aula de canto, desenhar, escrever, cantar, ensaiar com a minha bandinha, cuidar do meu jardim, plantar coisas novas, sentar na rede e conversar, ou ler umas poesias da Hilda, só para lembrar que o mundo é de morder e babar de gozo, sair só para andar e conhecer um canto novo e descobrir umas coisinhas, como aquela pracinha japonesa que nem tem nada de mais, mas eu lembro muito. Não sei nem onde fica exatamente, e nem porque eu passava por lá. Hummmm... e pegar estrada e ir numas cidadezinhas pequenas, mas só andar nas estradas estradeiras, já tava bom. Mas também não daria, porque eu não gosto de casar e nem que me perguntem no que vou gastar esses vinte reais. E até as estradas aqui, muito cheias, muito trânsito, poucas faixas, fala sério... eu vim para o fim do universo, que o fim do mundo deve ter ficado no Paraná...
E quer saber do que mais? Foda-se! Vou abrir meu e-mail véio, que chama 7269, porque esse foi o número de vezes que eu imaginei que já tinha feito essa posição quando abri a conta (faz tempo...) e não poderia colocá-lo num plano de ensino de professora séria que é como o mundo me qualifica agora, culpa minha mesmo: parte de mim até quer ser e parte de mim... só quer cantar muito alto e dançar. E eu gosto mais dessa segunda parte, e meu corpo, que dói muito, também, e minha poesia que eu não cuspo mais, e minha voz que tá apagando, e meus olhos que andam muito pequenos, meu punho que não tem mais força e meu drama, que anda crescendo tanto, mas não cativa mais ninguém, também gosta.