segunda-feira, dezembro 10, 2018

Tempestade

Tempestade boa vem com vento
Chega sem previsão, sem permissão
Invade com um cheiro de terra molhada
E antes que se perceba
Deixa a alma encharcada
Escurece o céu
Interrompe planos
Não deixa uma só folha no chão
Gota de pingo grosso
Rola no rosto
Não. Não é lágrima, moço
Foi apenas uma farpa
Que afiada como ponta de faca
Causou certo alvoroço
E me pegou, assim, de supetão
Jogou tudo para o alto
Até o mais duro asfalto
Que jurava ser o mais sólido
Sucumbiu à ventania
Ele havia jurado para si mesmo
Não se permitiria tamanha ousadia
De se deixar bagunçar, se soltar
Ser conduzido sem que a própria tempestade
Aleatória, maleável, disforme
Sequer desconfiasse
Onde pretendia chegar
Ela que parecia cinza
Com relâmpagos sinuosos e brilhantes
Transformou, revirou, bagunçou
Pois livre que é
Não se pode aprisionar
A tempestade passou
E o que dela ficou
Foi a força que há de se usar
Quando não mais estiver presente
Com o corpo já todo dormente
Deixar jogar-se outra vez ao mar

segunda-feira, dezembro 03, 2018

Lady


Chegamos a ter um blog no qual escrevíamos textos, poesias, coisas meio sem sentido. Nele, usávamos codinomes. O meu era Lady Di. Não lembro porque escolhi esse.
Há pouco desliguei a televisão. Assistia a um documentário de um álbum da Lady Gaga. Interessante como não sei o verdadeiro nome dela. E ela falava sobre a necessidade de não mais se esconder por trás de perucas e maquiagens e ser ela mesma. Ela dizia que parecia impossível conciliar a vida amorosa dela (já tinha terminado três relacionamentos) com o sucesso em sua profissão.
As duas Ladys, apesar de conhece-las tão pouco, me afetaram de alguma forma. Talvez a solidão delas, apesar de estarem sempre cercadas de gente, me tocava, me toca.
As imagens que projetamos para o exterior e com as quais as outras pessoas lidam e também se projetam nem sempre (quase nunca) correspondem ao nosso sentimento interior.
Ao passar a imagem de uma mulher segura, independente, bem realizada sexualmente, que já conquistou muito profissionalmente, que é uma boa mãe muitas vezes faz com que os outros projetem nessa imagem as suas fraquezas e os seus medos.
Não é por acaso que mulheres com esse perfil “espantam” os homens.
Olhar para o outro é sempre um exercício doloroso porque acabamos olhando para nós mesmos. Reconhecer a força do outro é, muitas das vezes, reconhecer a nossa própria fraqueza.
O problema geralmente está em nos escondermos por trás dessa vulnerabilidade e não darmos a oportunidade do outro também ver nossos pontos fracos. Não queremos nos expor. Não podemos admitir para o outro nossos medos.
Pessoas entraram e saíram da minha vida exatamente por causa disso. A questão é que antes eu não entendia muito bem. Achava que estavam sendo imaturos e mulherengos. (Embora, estivessem algumas vezes.)
Daí agora eu parei e percebi que não se trata de um querer intencional. Quase nunca temos controle sobre o que projetamos e o que projetam sobre nós. O ponto é que podemos tentar nos conhecer, e é esse auto conhecimento que propiciará não mais olhar para o outro através de nossas próprias expectativas.
Não se trata de forjar uma vulnerabilidade inexistente porque somos fortes. Mas talvez sair da defensiva, se abrir para o outro, deixar que ele te veja por inteiro.
Dá medo? Muito. É sempre um risco.

quinta-feira, agosto 16, 2018

Ela, que já não quer deixar de se sentir pulsar



A leveza da alma só foi atingida no dia em que se permitiu sorrir sem culpa. Já há algum tempo disseram-lhe que seus dentes não deveriam ser mostrados com tamanho despudor em suas fotos. Ouviu anos mais tarde que sua postura deveria ser diferente: saias menos curtas, cabelos mais longos e ausência de palavrões. Gestos espalhafatosos, então? Absurdo! Não combinavam com seu lugar de mulher e futura esposa. Quando decidiu ser professora, seguir a vida acadêmica exigiram-lhe seriedade. Que tipo de aluno respeitaria professora que abraça, fala da vida pessoal e se preocupa com o que acontece fora da universidade? Teria que ser distante, fria, ausente. Não se contentou com isso, embora tenha tentado. Optou por manter sorrisos e mãos firmes. No trabalho e na maternidade. Dedicou-se a cada dia à filha. E aos amigos. Ah, seus amigos. Sem eles, sem elas, ela nunca foi nada. Na época da escola aprendeu que poderia cultiva-los e tê-los consigo para o resto da vida, onde quer que morasse. E eles, elas, viraram seu porto seguro. Viagens, reveillóns, rodas de cerveja. Poucos enterros, mas vários velórios. Juntos/as viram amores virarem decepções, dores, amargores. E juntos/as reergueram-se. Sem eles, elas, não seria a mãe que é. Aprendeu com cada mulher a ser afetuosa, cuidadosa, presente. Tem dias em que ela se acha foda, bonita, inteligente. Em outros nem tem vontade de sair da cama. Aí se lembra dos sonhos, dos ideais e se levanta. Não cabe mais em rótulos e, por isso, aboliu de sua vida aquilo ou quem nada acrescenta. Ainda leva algumas culpas, não se perdoa por algumas falhas. Mas dá de ombros. O tempo apertado diz a ela para se adiantar, correr para a vida. Só que ela aprendeu a valorizar o tempo fazendo nada (como está agora) ou achando que está fazendo algo importante. Não sabe se faz a diferença porque sempre quer fazer mais e mais pelo o outro. Talvez não dê valor ao tanto que realizou porque insiste em olhar para a frente. Para quem já quis que a vida cessasse, hoje demonstra imenso apego às batidas de seu coração. E ele pulsa forte. Ah como pulsa.

quarta-feira, agosto 15, 2018

Só 4 coisas


A minha escrita anda perdendo lugar pro meu namoro…
Hoje, por exemplo, enquanto ele não chega, tenho 5 minutos para dizer 4 coisas:

1.    Parece que existe uma idade máxima para se beber muito num bar;
2.    Depois dessa idade parece que temos que assistir novela e só.
3.    Essa idade só aplica a mulheres e viados (e varia entre os dois grupos).
4.    Acho que vou começar a fazer judô.

Na verdade, tem mais umas coisinhas:

Ando com vergonha de ser gente, quando essas criaturas que vem propor um teto para o meu porre se intitulam gente como eu.

Estou com muito medo de quando eu estiver no bar, todas as outras criaturas sentadas que se dizem gente, não fizerem nada, quando 6 broncos nos agridem, com palavras - quase paus.

Estou com medo de não dizer nada. Estou com medo de dizer errado. Estou com medo de dizer certo e apanhar. Estou com medo de ninguém ouvir.

Estou, acima de tudo, solidária e preocupada de estar tão longe de todxs que precisam ser acolhidxs nesses 5 minutos em que parei… para dizer essas 4 coisas.

terça-feira, maio 29, 2018

Acabou a Gasolina


E ele entrou em greve.
Me olhou nos olhos e disse:  - assim não dá mais.
- Você rompe todos os acordos.
- eles nem dizem respeito a mim, mas a você.
Ele sabe, só formou três frases com o que eu também já sabia (só não ousava formular a pergunta, que nem diz respeito a nós).
(mas a desatar, ou não)
A rota cotidiana já passou.
E fica: eu quero ficar ou (part)ir?
E como não poderia ser mais irônico,
no meio da escassez de combustível,
Eu tenho que me perguntar se quero sair do lugar…
Eu que ando passos de tartaruga,
Nessa coisa de ir,
Porque indo, algo tem que ficar,
Nem que seja a paisagem.
E eu que estava só passando,
Recebi essa notificação de desvio…
Coisa que eu sempre ignoro.
Prefiro ficar parada,
Até meio estagnada,
Nessa minha própria lentidão de andar a pé.
Esperando um sinal,
abrir.
E quando, eu avanço devagar,
Fico divagando pelo asfalto,
Tenho medo de velocidade,
Mas tenho ido longe.
Agora basta saber,
Se vou só.
Não sei se caso, ou compro uma harley.