sábado, novembro 10, 2012

Desapego

Na vida passamos por várias etapas. Em todas elas há perdas. Largar a teta, pegar a mamadeira. Depois comer sozinha de colher e garfo. Sair do colo, engatinhar, andar. Perder o passo, cair e levantar. O irmão que nasce. Deixar de ser a criança especial da casa. E, se irmão nenhum nasce, acostumar-se a crescer meio sozinho. Na verdade, mesmo com irmãos, crescer se achando só. Festas de natal! Papai Noel sacana. Cadê o presente que eu pedi? Ah, acho que não fui boazinha o bastante!
Crescemos vendo gente chegar e partir. Coisas que gostamos que não cabem mais. Aquele vestido de babado, todo fofo. Aquela boneca que não canta mais porque a pilha enferrujou ou ela ficou velha ou quebrou uma parte. Consertar bonecas! Crescemos tentando consertar a boneca quebrada. Ela não será nunca a mesma.
A vida é mesmo engraçada. De tanta desgraça, às vezes ela perde a graça. Mas, ela também é interessante de vez em quando. Os amores vão embora e outros chegam e você pensa que será o derradeiro. Aquele. Do bom! E ele é. Até que a vida te mostre novamente que tudo é passageiro. Felicidade eterna é coisa para quem é santo! Ah que chatice essa tal de felicidade eterna. 
Ainda ontem relembrava coisas que vivi. O trem. A torre. Palavras de amor em outra língua. Até a língua se perde, se esquece. Tudo, tudo nessa vida tem um prazo. E você quer que dure para sempre. A mãe, o pai, o cachorro, o namorado, as amigas, o trabalho, a praia, a viagem de trem. Mas, num instante você se vê tendo que chorar mais uma vez alguma dor, alguma perda, alguma derrota. Somos mesmo bichos estranhos. Os outros bichos parecem se conformar mais às mudanças, às transformações. Sabem que o tempo de hoje já foi. 
O que existe são intervalos. Alguns bons. Outros ruins. E, tudo depende da perspectiva. Ser Poliana é bom, mas a Poliana é uma chata. Rasgar o verbo, gritar, mandar às favas, querer sumir, partir. A vida tem disso também. E tem sorvete de menta, cerveja, cigarro, sexo, carinho, abraço, beijo na boca, risos, água do mar, cinema e pipoca. Quem quer saber de chorar? Chorar é para os fracos. Rir é para os loucos. O que nos resta? 
Uma amiga chora de angústia da perda. Tinha uma cachorra que amava e perdeu. E, você tem que simplesmente dizer que é assim a vida. Eu já perdi pessoas que amava, amava mesmo. E já morri de medo de perder aquela que me abrigou no útero. Mas, eu tive fé. Eu rezei pra Deus. Eu mudei meu mundo. E por tudo isso, ela está aqui. Ainda me abrigando, fazendo minhas roupas com tecido que escolho e me ensinando coisas, que só ela, mais ninguém sabe. Porque ela me conhece e todas as minhas tripas. Por isso, não abro mão da fé. Gosto de inventar Deus e santos. Acreditar no milagre. Nem sempre ele acontece, mas quando se mostra, é um alívio.
Tem dias que é preciso arrumar as gavetas. Jogar coisas fora. Deixar ir o velho. Hoje arrumei algumas. Nossa! Como cansa fazer isto. Escolher o que vai e o que fica. Quanta coisa inútil guardada, que não serve para nada. Na gente acontece o mesmo, tem tanta cacalhada na memória que é preciso limpar. Deveria haver uma vassoura que limpasse o cérebro ou um aspirador que fosse limpando tudo, sugando coisas ruins da alma. Enquanto não inventam isto, limpo as gavetas ensaiando o desapego.