Tem dias
que o dia tira pra te tirar... hoje foi um desses. Começando por ser
uma segunda-feira chuvosa e eu com mil coisas a fazer. Acordo e sento
no computador. Minhas costas lembrando que eu estou velha e com
problema de junta... mesmo tendo acabado de acordar, tudo dói.
Sento ali
e leio os e-mails. Vai uma hora até resolver todos, isso os que tem
solução. Vou planejando minhas aulas, reescrevendo projeto de
pesquisa, “des”orientando alguns orientandos, enfim, essas coisas
de sempre. Ao menos não tiveram a deselegância de convocar uma
reunião de departamento com essa maldita tempestade.
Às onze
eu deveria ir à academia, mas a chuva aperta. Olho o relógio,
passam quinze minutos e as aulas não se resolvem: vídeo? Texto?
Ahn?
Me chamam
no bate-papo do gmail. É o gatinho novo. E ele está muito feliz
porque foi surfar às sete da manhã e louco para compartilhar todas
as suas emoções. - ele é maluco!
Nem as
sua fofuras ajudam nessa irracionalidade de segunda-feira de
tempestade. Aliás, ele passa a ser meio detestável neste contexto,
ainda mais exalando essa felicidade bizarra...
Ele é
tudo o que todo mundo queria para a minha vida, menos eu. E depois
vem me dizer que os conecitos não são relativos.
Está
decidido: academia só no final da tarde, quando retornar das duas
consultas médicas. Continuo minha obra-prima didática, só que ela
tá ficando meio desbeiçada.
Minha
cachorra acorda a cada meia-hora com seu fôlego de enfisema e vem
pedir pra ir lá fora, coisa que ela não pode mais fazer. E eu
assisindo a este sofrimento cotidiano, cheia de culpas, que ela está
assim porque eu vim pra cá, que ela não tem gente pra ficar com ela
e eu também não posso ficar como achei que poderia... eu deveria
ter deido ela lá? Eu deveria ter vindo?
E uma
merda de e-mail que parece que eu não sei mais escrever, porque
ninguém entende o que eu digo, nunca vi... ando tão esquizofrênica
que parece até que refletiu em tudo, até na porra de resposta de
e-mail.
Fui à
fonoterapia e o trânsito tava tão louco que me atrasei. E a mulher
me trata como uma criancinha e faz um resumo dos meus exercícios
numa orelha gigante de papel pra eu pregar na minha cozinha e lembrar
de mastigar do jeito certo. Eu já cansei dela, acho que já deu, mas
ela não me dá, não fuckin me dá alta!
Então eu
saio de lá com a orelha na agenda e corro pra clínica que o médico
me mandou pra fazer o exame. E eu telefonei pra lá antes e me
disseram que lá fazia o exame... e, quando eu chego (fui andando,
sabe? Porque era até perto), não fazia o exame. Mas eu liguei
moça... é, mas te informaram errado. Mas tem um lugar aqui atrás
que faz, vai lá. E eu fui. Mas lá não faz digital moça. Digital é
só na Bocaiúva. Eu ligo pra Bocaiúva: vocês fazem? Fazemos! E até
que horas? Se você chegar até às 18:30h, ainda pode fazer.
Corro pro
carro e saio de novo na tempestade e, nessa cidade, tempestade é o
inferno no trânsito. Mas eu vou, eu consigo, é hoje! Eu paro no
estacionamento que sei que existe e custa seis reais a hora. Deixo o
carro e corro pro número indicado. E lá havia estacionamento
gratuito...
Enfim,
cheguei e são seis e vinte! Mas naquela portaria não pode. Lá é
até às 18h. A moça me leva à outra e avisa às moças da
recepção. É só pegar a senha, moça. Eu pego e sento. São sete
horas e chamam a minha senha. Ai moça, era só até às 18:30h. O
radiologista já foi. Mas, como? A moça me trouxe aqui e falou pra
vocês! Mas, pois é, não tem nada que eu possa fazer.
E não
tem mesmo. E o que eu vou fazer? Bater nela?
Eu saio
derrotada e com fome. Vou ao shopping e como um hamburguer enorme de
picanha. A academia acaba de deixar de fazer parte da realidade de
hoje.
Vou ao
supermercado ali mesmo. Ao menos é um supermercado que presta, com
coisas bonitas e até baratas. Tem mais fila.
Chego no
estacionamento e foram dezoito reais.
Dezoito
reais e 3 horas jogadas no lixo. Eu não estava amando nem um ponto
daquele caminho. A última vez que me senti feliz foi ao ouvir “nós
gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres”... foi
sábado à noite.
Cheguei
em casa às 21h. E tão cansada... e a Mel estava mais ofegante do
que nunca. Querendo sair, fazendo o maior esforço pra andar e pedir
pra eu abrir a porta, botar o focinho na rua... e eu não deixo.
Eu olho
pra ela e choro, choro tanto, peço desculpas, tantas desculpas...
por ter demorado tanto, deixado sozinha, por ter trazido ela pra cá,
nessa casa sem gente, pequena... por não ter tempo pra ela, por não
descobrir porque ela tá tão doentinha, por não poder ir dar aquela
voltinha no quarteirão, que era tudo que eu conseguia quando chegava
podre do trabalho...
Ela fica
olhando nos quartos, parece que procurando alguém, mancando da mão
direita.
Nem
parece que nadou na praia e na lagoa do Peri no fim do ano passado...
foi tão rápido, foram uns meses só.
Sento na
cama, vejo os e-mails e ninguém me entendeu mesmo. Hoje eu não
deveria ter escrito nada para ninguém.
Vou ver
os debates dos candidatos à prefeitura daqui. Meu deus, que coisa
amadora... E me dizem ali nos e-mails de como há controle e
regulação... ah, fala sério. Isso aqui é terra de ninguém.
Hoje eu
tou de mal com o mundo.
Tá duro
manter os pedaços juntos. Tá duro manter as escolhas.
Eu acabo
me assustando com a minha incapacidade. Sinto falta até de morar com
meus pais, de tanto que não dá, não tou conseguindo sozinha.
Sozinha mesmo, sozinha pra caralho.
E é
incrível como ninguém quer saber dos nossos problemas...