quarta-feira, março 30, 2011

Presente de casamento II

Dizem por aí que você se casa no dia da mentira. Eu não poderia esperar nenhum outro, tamanha a incoerência de “você se casar” numa mesma frase. Desde que soube, você aparece em meus sonhos e conversa comigo, dizendo que tudo está bem. Que aquilo que amamos está preservado, que não se altera pelas escolhas da vida, que andamos inconscientemente juntos, que nos lembramos às vezes, que já faz muito tempo e que é bonito quando lembramos. A ideia da ideia, você diz, nos conforta e nos acolhe. E, por ser ideia, é perfeita e faz tanta falta, parece que seria tão bom, exatamente porque não foi. Hoje acordei depois de mais uma longa conversa sonhada. Estava calma e triste. Não acredito que você não sonhe nada, não sinta nada, não lembre nada. E não pense “e se...”. E que seu olhar não me procure por aí, quando caminha desavisado. E não tenha essa dúvida cravada na memória... Ou... talvez apenas eu goste dessa sensação de se perder, de não se achar mais em relação àquele que frequenta os meus sonhos. Talvez eu diga que você tenha medo, porque tenho medo do possível... e me apego ao improvável para negar... Que de possível eu estou meio cansada... que o impossível me alimenta e me faz caminhar. E eu sonho.



Mari Brasil

Presente de Casamento

Persigo a sua ilustração-caricatura, te entendo metonímia dos meus sonhos, nos meus sonhos, quero saber o que és, que me diz, que contradiz de lado a outro do avesso, quem és nos meus sonhos.

Eu me interponho ao teu caminho para o altar, você me acolhe, me faz tranquila, pega meu rosto na luz, brilha seus olhos em mim, me apaga, me diz que tudo está como deve ser.

Persigo o sem-cor dos seus olhos indefinidos, não sei quem és, verde ou mel, mas acalmo, na igreja, no meio do teu caminho, te creio, esse que não sei quem é, te espero (sinto certeza de que voltas) ansiosa.

E a dança que traças com meus passos, o giro dentro de seus braços, um indefinível que aguardo o retorno, saudade do que não vejo, nunca senti ou vivi, para além de minhas ideias, se tornam, me tornam calmaria frente à tempestade.

Entendo teu jeito de andar como afronta, teu sorriso, mentira, eu minto para mim quando sou quem tu és em meus sonhos. Eu acredito também, eu acordo outra, porque me envias até ela para confirmar, sim, você me põe de volta no altar, um dia.

Uma sexta-feira chuvosa, e o medo de perder o último dos sonhos, dos romances: par perfeito de jogo de memória, corre por aí que esqueci o correspondente de mim, mas sei que ele não me esqueceu – e nem eu.

Ao menos em mim, o eu que você é, me tem nos braços, dizendo que o amor que sente ainda perdura, que a vida passa, mas que nosso reencontro está acertado, te vejo outro dia qualquer, para inflar de novo essa paixão, que tão sem tamanho, não cabe em nós, dividimos com o mundo, cada qual com mais um outro, e mais outro, até que o infinito não caiba mais, e nos retorne, enfim, lado a lado.

E eu te espero. Quando puderes. Enquanto eu puder.



Mari Brasil