domingo, março 16, 2008

Vinho

Fico triste quando, entre mim e as palavras, torna-se necessário um copo de vinho.
Pergunto-me por que tanto medo de tocá-las com meus dedos de poeta, o polegar e o indicador, caneta na mão, sábado à noite, eu e o papel.
Ali, vou desenhando cada uma, numa ternura sem jeito, aos tropeções do que a vida oferece em meus dias, meia-luz e um pouco de sono.
Timidez no traço da caneta, como se fosse novamente a primeira vez. Coloco as palavras em ordem, rabisco tudo que vem dentro, recomeço.
Amasso uma folha e duas e três. Como se fossem amantes enganados, como se o amor que fizemos nada fosse, como se eu nada sentisse – não é com meu sangue que assino as folhas em branco.
E uma dor pequenina e constante em cada letra que vai para a lata de lixo.
O que dói no que tenho a dizer não é o vazio com que as palavras surgem no papel, invisíveis a todos. Mas aquele que vem de mim.
Então é sobre ele que as letras dizem, não contando mais que minha história, mais que o que sinto.
O vinho... o vinho é ponte para o vazio: quando não há nada embaixo das mil cachoeiras que se visita, nada no beijo que beijei na terça-feira, nada aqui dentro de mudar o mundo, nada no pôr-do-sol avermelhado de hoje, só uma tristezazinha feia que nem tem razões... como juntar as letras no papel?
Um gole de vinho e sinto as maçãs do rosto esquentarem. Mais um e todo o corpo esquenta, como que preenchido por um calor necessário - mas alegórico.
Olho ao redor e já posso sentir uma vontade de rir do nada, da parede branca da sala e do corredor. E, me parece, perco a inibição no trato com a caneta e meia página já borrada do papel em branco...
Mas, apesar do riso, a tristeza continua lá. E uma saudade de tocar a folha em branco com a intimidade, firmeza e segurança de um marido de bodas de prata e não de um namorado tímido e amar as palavras de forma mais... apropriada.
O medo, bem verdade, é saber que parte deste meu amor aflora agora na pele, uma parte talvez cinza e sem graça, que tenho vergonha, mas que fica tilintando no peito, querendo ser escrita também.
Mais um gole de vinho e está aqui, no papel, uma amante de primeira viagem, fodendo com as minhas palavras!
(Acho que é esta mesma filha da puta que é responsável pelo meu susto ao acordar uns dias e olhar para o lado na cama de algum motel barato ao lado de... ui!)
Tristeza é contornada com vinho, motel barato e texto vagabundo.

Um comentário:

Leila Diniz disse...

hahahhaha gostei! às vezes me sinto assim, tirando a parte do motel. rsrrsrs

saudade de ti!!