Laís e Clara. O contraponto, a complementaridade.
Laís mora num apartamento apertado na praia de Botafogo,
herança de tia avó. Quer ser atriz. No tempo vago faz aulas de teatro e canto.
Trabalha de garçonete num requintado restaurante em Ipanema. Entre o vai e vem
de gente sofisticada, Laís aos suspiros toda vez que encontra um global, um
artista famoso. Em casa, diante do espalho faz as caras e bocas que vê no rosto
dos frequentadores do restaurante. Acorda cedo pra caminhar na lagoa, coloca
boné, óculos de sol e faz de conta que é famosa. Lá vai ela, arrumando espaço
aqui e ali para viver seu sonho.
Clara mora em uma casa em Florianópolis. Trabalha num banco,
concurso público. Tem certeza de que tem tudo o que podia querer. Gosta de
filmes de terror e de ler romances. Sonha em encontrar o cara, não sabe se vai
realizar. Estuda inglês, quer uma promoção. No fim da tarde passa na lagoa e
pede um café, puro, mais nada e fica olhando o vai e vem de locais e turistas,
fica olhando o vai e vem da água e pensa que podia fazer natação.
Laís e Clara tem em comum uma lagoa. Laís gosta de samba,
Clara prefere um pop. Laís pinta os olhos de lápis azul e usa pulseiras
exuberantes. Clara de sapatilha e camisa de gola abre o botão de cima pra
aparecer um pedacinho do colo. Laís tem paixão por bolsas. Clara tem paixão por
imã de geladeira, faz coleção.
Clara cansada da chuva compra passagem para Cuiabá, vai ver
uma amiga de infância. Laís, cansada de gente compra passagem para
Florianópolis, vai curtir em Jurerê Internacional.
Escala em Guarulhos. Portão de embarque 17. Peregrinação
pelos portões 22, 13, 2 e finalmente o embarque. Clara derruba seu livro no
chão. Laís pede uma cerveja. Clara ao ver Laís pensa que já a viu em algum
lugar, será alguma atriz?
Os olhos no encontro se (re)conhecem. Alguma parte perdida
de si estava naquela outra, alguma coisa
que diz que são incompletas. Laís de salto
15, Clara de sapatilha. Cada uma pensando que podia ser um pouco mais daquela
outra, uma sensação de que estavam deixando de viver um pedaço da própria vida,
frases, ruas, lugares, silenciados pelas escolhas, pelos caminhos seguidos por
cada uma. Por um breve instante dividiram seus mundos, em um breve instante
alguma coisa mudou.
Clara segue para Cuiabá e no aeroporto compra um batom
vermelho. Laís para Floripa, prende o cabelo e faz de conta que é a mesma.
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