segunda-feira, outubro 12, 2015

Por quê tanto medo?



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Se encontrar
vendo a pobreza
com medo.
medo de pobre,
de sujo,
sentir bem por ser,
 outro

Quase tropeçar
Desviando na rua,
Jogar uma moeda com horror,
Do cheiro,
E medo.

Medo da sua sorte,
Como se fosse sorte.
Medo da sua falta de fé,
Como se faltasse fé.
Medo
De outra gente,
Como se fosse mesmo outra,

Sentir,
esforçar ficar parada na esquina,
sentir e não fugir,
cada outro não me esbarrar,
não me matar,
não me assaltar,
nem
olhar.

Porque também me vê outro,
e tem medo,
que a minha janta
seja três dias de comida dos filhos,
que o meu banho,
seja dois dias de água,

medo, de eu o matar.

Quando se deixa de ver
o outro,
Sendo eu mesmo,
E a recíproca,
verdadeira,
perversa,
e a pergunta que fica:
quando eu deixei de ser o outro?

Fica, na verdade, só a Ilusão
de que o outro não é você.


sexta-feira, outubro 09, 2015

Eu sobrevivi à queda de um penhasco.


Eu sobrevivi à queda de um penhasco. Não me pergunte como. Só me dei conta que estava caindo quando já ia no meio do caminho. Mas não sobrevivi para contar uma magnífica história, para virar manchete, exemplo de sobrevivência.

Na queda quebrei muitos ossos, muitos sonhos partidos, outros quebrados para sempre. Não quero contar para mais ninguém a história da queda. Caí e ponto, fato. Os efeitos da queda ainda doem em mim. Cada pequeno ferimento aparece doído, latejante, quando penso que já foram embora. Toda semana trato dos machucados, alguns mais superficiais, outros são tão profundos que ainda nem sei que existem, não tenho ideia de como tratar deles. Depois que se cai de um penhasco, passar por qualquer ondulação causa dor, cada parte do corpo relembra a dor dos machucados da queda. A parte que dói mais são as crenças, fantasias, que ficam totalmente rasgadas. As ataduras já são tantas que pareço mais uma múmia do Egito antigo, andando pelo mundo meio sonâmbula de tanto remédio, vinho, trabalho, bobagens, família. As ataduras escondem os machucados, escondem de todos, ninguém pode ver as feridas que ficaram. Eu na maior parte do tempo finjo que elas não estão aqui, bem debaixo da atadura branquinha, limpinha, bem passada, bem comportada.


Me perguntam se fui empurrada penhasco abaixo, se pulei porque quis, se queria voar...acho que foi um pouco de tudo isso. Pulei porque queria voar, depois de um empurrão da vida, mas não, não tinha ideia do tamanho da queda. Apesar dos machucados eu sobrevivi e sigo sobrevivendo, me perguntando se existe terra firme ou se a vida é isso mesmo, um salto mortal de penhascos mais e menos perigosos.

quarta-feira, fevereiro 04, 2015

Invenção

Chega de inventar a saudade! Foi a frase que leu em um artigo de revista.

Inventar foi algo que fez muito na vida...inventou uma mudança de cidade, um novo amor, um casamento, uma nova paixão, uma separação, um amor sem fim, um homem, uma decepção, nova separação, inventou um silêncio, um recolhimento, um rompimento. Tudo inventado. O que não é?

Agora se dedicava meticulosamente a inventar a liberdade, a superação, o fim da tristeza, uma nova vida. Inventava um horizonte diferente, inventava uma solidão vivida com vontade, com prazer, com carinho. Era preciso mesmo inventar um jeito de se pensar como mulher, como alguém independente, bonita, sensual. Era hora de reinventar o viver. 

Como se estivesse acordando de um coma, reinventa uma nova forma de estar no mundo.

Não, não é um ponto de partida, é sim um ponto de chegada. Estar no seu lugar de um jeito novo. Estar em casa. Estar acolhida, pela primeira em vez, em si. Satisfeita de ser.