Eu sobrevivi à queda de um penhasco. Não me pergunte como.
Só me dei conta que estava caindo quando já ia no meio do caminho. Mas não
sobrevivi para contar uma magnífica história, para virar manchete, exemplo de
sobrevivência.
Na queda quebrei muitos ossos, muitos sonhos partidos,
outros quebrados para sempre. Não quero contar para mais ninguém a história da
queda. Caí e ponto, fato. Os efeitos da queda ainda doem em mim. Cada pequeno
ferimento aparece doído, latejante, quando penso que já foram embora. Toda
semana trato dos machucados, alguns mais superficiais, outros são tão profundos
que ainda nem sei que existem, não tenho ideia de como tratar deles. Depois que
se cai de um penhasco, passar por qualquer ondulação causa dor, cada parte do
corpo relembra a dor dos machucados da queda. A parte que dói mais são as
crenças, fantasias, que ficam totalmente rasgadas. As ataduras já são tantas
que pareço mais uma múmia do Egito antigo, andando pelo mundo meio sonâmbula de
tanto remédio, vinho, trabalho, bobagens, família. As ataduras escondem os
machucados, escondem de todos, ninguém pode ver as feridas que ficaram. Eu na
maior parte do tempo finjo que elas não estão aqui, bem debaixo da atadura
branquinha, limpinha, bem passada, bem comportada.
Me perguntam se fui empurrada penhasco abaixo, se pulei
porque quis, se queria voar...acho que foi um pouco de tudo isso. Pulei porque
queria voar, depois de um empurrão da vida, mas não, não tinha ideia do tamanho
da queda. Apesar dos machucados eu sobrevivi e sigo sobrevivendo, me perguntando se existe terra firme ou se a vida é isso mesmo, um salto mortal de penhascos mais e menos perigosos.
Um comentário:
A vida é isso aí mesmo: um monte de penhascos. E você sobreviveu. Está se saindo bem.
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