quarta-feira, maio 30, 2007

Amor...

Ela caminhava ofegante sob uma lua quase cheia, daquelas brilhantes que tanto gostava. Fazia um frio de doer as bochechas, mas o passo não se alterava, nem mesmo na tentativa de se encolher contra o vento cortante.

Ela sempre passava por aquele portão, esperando pousar de novo seus olhos naqueles olhos que a espiavam por detrás das grades altas, enquanto andava, cabeça soberba para frente, fingindo não se alterar, fingindo não sentir nada, fingindo nem respirar.

Naquela noite, ele não estava lá. E, assim, ela arriscou uma apertada de pescoço em direção à velha casa.

Já era pra lá da décima vez que ela repetia esse trajeto, à mesma hora. Enquanto se aproximava da casa, pensava em como se aproximar daquele que, de longe, parecia seu feitiço: sua prisão última.

Mas, num segundo, ele veio, rasante. Postou-se de prontidão na frente da casa e fixou sua cara no poste por onde ela passava, procurando seus olhos tristes na escuridão...

Tamanha era a ansiedade pelo seu cheiro, tantos eram os sonhos que à noite lhe perturbavam, a curiosidade pelo calor de seu toque, que ela não se conteve e seu passo transbordou.

Imóvel, atrás de um poste que só escondia seus olhos e, detrás do qual não conseguia sair.

O vento gelado feriu seu rosto, mas não foi dele resultado o arrepio que percorreu sua espinha.

Ela precisava fazer algo: precisava entender o que era aquela presença. Ou excluí-la da sua vida, da sua mente, dos seus sonhos, dos seus cheiros, do seu sossego.

Num rompante:

Saiu de trás do poste.

Olhou-o em seus olhos, fundo.

E atravessou a rua.

Correu para ele!

Ele a observava com a cara colada nas grades do portão de ferro, curioso, pasmado com aquela presença que finalmente se aproximava.

Ela sentiu seu cheiro de perto e não resistiu: colou seu focinho no dele.

Aqueles dois segundos de focinhos molhados de frio encostados eram o momento. Sim, era ele mesmo, seu feitiço.

Correu dele, chorando.

Tomou a rua novamente.

Sem olhar para trás.

E naquela noite, não cheirou mais nenhum poste, até chegar em casa.

segunda-feira, maio 21, 2007

Ah, mas se eu pego...

- Se eu pego aquele bichinho maldito, zunindo no meu ouvido, numa quinta-feira de madrugada. Ah, mas eu mato. Eu pego um alfinete e boto o bicho na mão... e espeto a bundinha dele, várias vezes, devagarzinho, até ele começar a zunir, mas de dor! Bicho desgraçado!
Ela sempre diz essas coisas quando está brava. Deseja tanto ter força, ser a própria força das palavras que cospe violentamente, mas ela tem tanto medo... de machucar. Que machuca ela mesma, apanha quieta, sem chorar por fora, quase sempre. Ela bota seu inimigo no colo e o consola. Sente a sua dor. Engole seco, toda a ira. Compreende, justo quando ele está mais vulnerável e não. Não ataca.
Ela se olha no espelho e se censura, de cabeça, fazendo poses de mulher fatal. Enquanto isso, grita para as amigas que esperam que ela troque de roupa para sair:
- Hoje sim. Essa roupa sim. Vou pegar uns cinco. Tou foda.
Por fora. Por dentro, pensa que está velha demais pra usar essas roupas. Tem vergonha demais de se achar bonita. Acha que deveria ter sido assim antes, porque teria a desculpa de ser uma adolescente. Mas antes não dava, porque era gorda. Mas ainda é meio gorda. Talvez ainda feia. Talvez não saia. Talvez não aquela saia. Talvez uma calça e uns sapatos mais sóbrios, pra cortar esse jeito de moleca que ela insiste em portar. Sua própria doçura, que ela teima em esconder, muito bem. Mas que sempre escapa.
- Toda simpatia tem uma ponta de falsidade. Por isso não sou simpática. Se eu te conhecer hoje, vou ficar só te medindo. Não adianta, não vou conversar. E, se você me forçar, eu vou me esforçar. E vai ser completamente desonesto. E eu gosto de sinceridade. Sempre.
E ela olha nos seus olhos, com aqueles grandes olhos castanhos de cílios compridos e você acredita que ela seja completamente honesta! Besta! Mas tem um inferno queimando sua boca nesse momento. Se fosse, já ia te dizer que a tua roupa não agrada. Que você fala demais ou fala de menos. Que o teu tipinho deveria ser banido da face da Terra. E que você toma mais cerveja do que ela e, por isso, deveria pagar a maior parte da conta. Mas ela guarda. Guarda muito. Porque, nessa frase calada, ela salvou a tua vida. Ou, apenas poupou muita da tua verba a ser gasta com psicanálise. O problema é que, por mais que pense isso, ela admira a tua cara de pau em existir. Ela gosta de você, acha interessante a tua mais completa mediocridade.
- Eu quero aquele cara. E aquele. E aquele outro. Eu não namoro! Eles que me namoram, coitados. Eu não sou fiel. Eu sou da rua. Eu caço. Se não houver caçada, se eu não seduzir, se eu não conquistar, se eu não jogar... a noite perde toda graça. A vida perde toda graça.
Ah, mas essa lingüinha não se agüenta! Se morde! A traição é interna: a maior piranha de todos os tempos não consegue entender que seu pecado, seu jogo, suas conquistas são todas meias. Ela sai à noite, caçando bocas para beijar. E ela beija. Mas sua natureza é monogâmica. Quando ela ama, sua outra boca se fecha. Coitada, (não) fodida por sua própria natureza: sua boceta é monogâmica. Ela não consegue se entregar totalmente ao jogo. Ela não é nem uma meia-foda: não é foda nenhuma. Talvez uns apertões mais quentes, que não a esquentam. E ela volta para casa, sentindo menos frio na sua cabecinha complexa e idiota.
- Eu só quero ter certeza de uma coisa: que o cara com quem eu estou goste de mim, de verdade. Eu não me importo que ele transe com todo um harém. Eu só não quero ver. Não quero saber... e, se ele não gostar mais, eu só quero que me diga. Eu vou chorar minhas pitangas, mas, depois passa.
Certeza? As certezas a espantam. Ela quer a dúvida! O balanço. Ela precisa conquistar sim, todo dia. Mas, não outros... aquele, que ela elegeu no mês. Aquele que, se perceber, a tem nas mãos para sempre. Para sempre mesmo, porque não passa! Ela ainda ama todos os que a deixaram quando ela não queria. Ela ainda tentaria de novo. Ela não se conforma...
Sobre o harém? Ela não liga mesmo. Até que seus olhos o enxerguem...
E aquela raiva condensada dê um pontapé na sua cara. E ela sente os dedos da mão formigando. Falta ar, sua cara está quente. Dói por todo o corpo. E ela se levanta, punhos cerrados, ofegante e cega. E aqueles zumbidos de bichinhos voadores que incomodaram às quintas-feiras, por todos esses anos, são tudo que ela ouve. Todos eles. Ela se levanta e caminha. O ciúmes é o que me move.

segunda-feira, maio 07, 2007

Mil



Em três olhares me (re)conhece
E acaba com a minha pose de rainha,
Como num jogo de xadrez.

Você me lê, em todas as línguas
Descobrindo todas as mulheres que me habitam.
Cortejando cada uma delas,
Apontando a direção da lua.

Encontra primeiro a amante,
Enlouquecida e furiosa
Mas compreende que sua conquista é uma armadilha,
Representada por gritos e ordens.

Encontra, em seguida, a menina,
Coberta por um manto de seriedade e desapego
Perdida no meio de tanta teoria
Sobre tudo e sobre nada.

E esta você toma nos braços,
Bota no peito, oferece sorvete e uma música.
E eu me aninho no seu colo.

E tem uma outra, apavorada,
Que tem medo. Mas não é covarde.
Que tem medo de você,
Mas te encara no olho.

Essa foge, correndo. Depois volta arrependida.
E você me deixa.
Mas me recebe com flores nos lábios.

E tantas outras, que, quando menos esperam...
Sentem quando você expira a noite fresca nos meus ouvidos,
Derrama-se inteiro em mim
E me abraça enquanto dorme.
Por favor,
Revele-as

domingo, maio 06, 2007

O peso da tua mão

O peso da tua mão
No meu rosto
Tem o peso do mundo,
Carregado nas costas de uma tartaruga gigante.

É uma sombra de dúvidas,
sombra de asas de borboleta
que se pergunta para onde voar.
Em pleno vôo...

Peso de ouros e pratas
Medido em um banco que não existe
além dos meus sonhos
e suposições

É o peso de promessas não feitas,
e ainda assim quebradas.
Tristes.
Mas, lindas.

Peso de toda luz das estrelas,
me impedindo de ver,
de amar, entregue,
esta lua que agora se faz presente

Conjunto de todas as melodias tocadas
(Como o toque do peso da tua mão no meu rosto)
Trocadas,
amadas a dois.
O peso da tua mão
tem o peso que meu rosto necessita
tem o peso perfeito,
agora, imperfeito.

O peso da tua mão no meu rosto
é para mim uma questão sem resposta
Que me movia e, agora, me pára.
Por tão levemente pesar

terça-feira, maio 01, 2007

Saudade...


Quando as coisas complicam, quando eu tenho muito o que fazer e nenhum ânimo. Quando eu me apavoro e meto os pés pelas mãos. Quando a vida fica difícil, seja por TPM, por notícias estranhas, por cobranças e cálculo do imposto de renda. Quando eu não consigo escrever artigos, nem preparar aulas, quando eu estou com cólica ou gripe. Quando eu não me sinto à vontade...
Bate, saudade, bate.
Bate forte na minha cara.
Me transporta de volta.
Faz eu lembrar da praia, jogada no abraço do mar. Faz eu lembrar do céu azul, jogada no chão duro de areia.
Olhando pro lado e vendo aquela amiga sorrindo, reclamando. E reclamando da vida, da praia, da dissertação, dos homens, das contas, de tudo. Reclamando feliz. E rindo toda, jogada na cadeira de praia... ela é meu potinho de alegria.
Faz eu lembrar das salas de aula, dos professores.
Faz eu lembrar de quando tinha uma dissertação pra defender.
Me lembra das horas na frente do computador, parindo aquela pilha de papel.
Me leva de volta pra minha casa. As tardes bestas no sofá, conversando sobre tudo, sobre o futuro da humanidade, sobre os namorados, meus, dela, sobre as gatas.
E, durante a janta, ela me contando as novelas do sofá. Mesmo que eu não estivesse ouvindo.
Pra perto das minhas vizinhas maravilhosas, uma que cozinhava panqueca enquanto a filha corria pela casa. E brincava, e sorria sapeca. E eu fingia que nem dava muita bola, mas amava demais... a sapeca e a mãe, mais sapeca ainda.
Pra perto da BOFA suprema, que ia comigo sozinha no bar só nosso, pra gente ficar contando todos os detalhezinhos dos nossos amores e suspirar, como só duas BOFAS conseguem suportar... horas e horas de cumplicidade e troca de felicidades...
Faz eu lembrar do bar. Que mané bar! Faz eu lembrar do Iega! Do Bertoldo e do Ferreirinha, que eu morro de saudades! Dos bilhetes pra Candinha caprichar na alcatra! Da gravatinha... heheheheheh.
Faz eu lembrar da RDT reunida. Faz eu lembrar de tantas reuniões. E tantas bobagens. E tanto carinho. E taaaaaaaanta cerveja. E tantas teorias da conspiração pra dominar o mundo, amansar o mundo, acalmar o mundo, melhorar o mundo, curar a ressaca do mundo e, claro, foder com todo mundo...
O que me lembra do Guru! Meu guruzinho, lindo, conselheiro, foda pra caralho, meu ídolo. Na praia, no bar, nas baladas mais do nada. As conversas epistemológicas sobre a arte da guerra. Que eu insistia em não acreditar, mas que funcionavam. Quase todas. Né?
Me lembra da surtadíssima, quietíssima. Como pode? E parece ser só fashion e nem pensar nessas coisas. E do nada ela me pergunta sobre um filósofo. E ouve tudo que eu choro. E me aguenta por horas. De repente, ela me chama de canto, me conta que ama e que não sabe o que fazer. E chora. Mas já se anima e me leva pra um bar. Essa eu não entendo. Só adoro.
Faz eu lembrar que, “tipo assim, a nível de coisa, isso é super por exemplo”. Que o cara é cara, aí ó. E que ele toca muita viola. E que quando fala de tudo que ama, os olhos brilham: dos amigos, do filho, das músicas, da educação. Dela... de amor.
Daquele amor complicado entre aqueles outros dois. Que não entendem que são duas metades... Os olhos castanhos que me botam no colo, me dão bronca, me fazem carinho e me... pedem conselho! Pra mim! Vejam só... e os olhos azuis, que fingem ser fortes, tentam me dar ordens (mas eu rio), tentam explicar e só complicam mais, porque são olhos que voam longe, mas estão tão presos...
E eu passo o dia travada, relembrando esses segundos. Revivendo cada um. Saboreando, me acalmando.
E, amanhã... eu volto ao mundo de hoje. E consigo fazer tudo que preciso.
Mas, agora, saudade,
eu estou à vontade,
deitada na cama,
lembrando de ontem.
Então, não me deixe.