terça-feira, julho 22, 2008

Prá não dizer que não falei de "flores" também

Dois estranhos


Já não se faz mais noite
já não há luar
nos demos as costas
é hora de voltar e volto...
Volto dos teus braços ainda quentes, ainda quente,
o que mais me importa?
Te amo. E o que é que tu tens com isso?
te amo por enquanto, por agora,
até amanhã,
enquanto ainda pulsa latente o orgasmo na memória
te amo, neste breve momento,mesmo sem que saibas,
por dentro,prá mim, calada, em silêncio...
e o que sinto, só a mim diz respeito
não faz diferença tomares ciência...
Fica marcado nos corpos que fui tua e me pertenceste,
nas poucas horas em que nos fundimos em um só
e que nós pensamos, infinitas
o mundo não ia além
da camada de lençóis...
me fizeste deusa, feliz e me sentir viva
e o verdor ainda fresco das memórias recentes, que vagueia
talvez faça parecer maior, aquilo que um dia será apenas lembrança...
E assim a profundeza do momento apoderou-se
e a profundidade do que me tocou
ficará marcado n'alma
e fará parte do meu passado
e fará parte do passado,
mas não se queimará com o tempo,
pois essas coisas não se queimam,
quem sabe irá desbotar somente, feito retrato velho.
E o que levo no peito, agora,
que a solidão infalivelmente se assenhora,
é que posso te amar com a intensidade que se deva
ainda que por pouco tempo
por um dia, enquanto se faz presente teu cheiro, teu perfume
por tanto quanto a emoção permita
e a mente aceite...
E no fim de tudo,que te lembres,
o que merece ser lembrado
assim como possivelmente tentarei fazer...

domingo, julho 20, 2008

anjo


Ensina-me a gostar de você...
E me satisfazer com tua pouca idade e com teus muitos sonhos...
Ensina-me a ser outra vez jovem! E estampar essa risada espontânea na cara.
Devolva-me com todo teu poder de anjo os afetos dispensados noutros campos.
Encosta minha cabeça no teu peito jovem, assim mesmo, sem jeito... que eu finjo ser seguro. Nada mais me resta mesmo.
Insista! Ensina-me a gostar de você!
Meu coração está ferido e triste, e esperaste tanto...

Vinte Dias de Surto


Acordou para o abraço do destino e correu à rodoviária.
Fugiu num ônibus para a ilha distante onde poderia realizar, à vontade, o desejo de apagar a vida que andava levando nos últimos meses.
Abriu a porta, apontou o nariz para o alto e respirou a manhã fria na beira do mar.
Pensou numa música, sorriu. E...
Começou o esquecimento do amor que não deu certo, do trabalho que não deu certo, dos receios, da inseparável solidão, da briga com o pai, da insegurança. De tudo de inesquecível que lhe havia cruzado o caminho nos últimos tempos.
Entrou numa casa, numa rua, e, desta, num torpor de congelar os ossos e engessar reflexões até nada mais doer.
E nada doendo, sentiu-se no direito de enlaçar corações alheios e buscar, incessantemente, um “não sei quê”, numa ansiedade de que o mundo fosse acabar assim que entrasse no ônibus de volta.
Deu-se no sexo como se esta fosse a última chance de ser amada. Entregou-se, assim a um, dois, três, quatro... e, ainda abraçada a este, planejava no próximo o cumprimento de suas profecias internas, como se ali houvesse a resposta a tantos maus-entendidos, nos quais se enrolava, cada vez mais forte.
Não se sabe se era uma raiva latente de tudo que cercava, ou um daqueles momentos em que se engole a solidão aos pedaços e se exorciza o demônio com mais e mais demônios...
A cada passo, mesmo sem perceber, lembrava de cada um dos esquecimentos e, num esforço tremendo para os manter distantes, beijava mais uma boca na madrugada.
Trocava carícias com estranhos, aos quais se doava como amante antiga, como quem se confia tanto, como se naqueles momentos os amasse realmente.
Acordava, ainda quente do desejo incontido e sentia que ali não poderiam ser atendidos os seus desejos... observava o corpo dormente do amante de ontem e desaparecia no sol a pino, para nunca mais.
Mas, houve um dia em que não pôde mais manter os esquecimentos distantes...
Cada um lhe batia na cabeça sem parar, estes vinte dias em cativeiro querendo sair com uma força que impressionava de triste e bonita.
Os vinte dias em que se imaginara livre eram os vinte dias em que encarcerou as dores, como se elas nada tivessem a dizer, como se nada significassem em sua grandiosidade vazia, no papel assumido de não ser quem se é, vivendo da vida que não se tem.
Durante os vinte dias, sentiu inveja de quem ama... pois acreditava ter perdido esta capacidade. E só as dores cruas que voltavam como espasmos agudos pelos membros todos fez com que se lembrasse que doíam, exatamente, porque amava...

demais...





Mari Brasil

segunda-feira, julho 14, 2008

Já comi !



Estava eu feliz da vida, delirando na música Bourbon Street, à voz de Sting, no som do Toni Garrido( meu carro), e eu devia estar de olhos fechados, quase tendo um orgasmo, quando praticamente atropelo alguém.Pudera, essa música não é prá ouvir dirigindo,é prá escutar quietinha, no quarto sozinha, à luz de velas,pensando no Toni Garrido, desta vez o Toni homem, naõ o Toni carro.
-Machucou?
-Machucou....meu coração...
Caralho! que cantada ridícula!Fiquei mal acostumada depois das cantadas do fim de semana passado, do seu Jorge,que por sinal, só e exclusivamente, me ganhou devido às cantadas inteligentes e originais, viu como eu sou facinha? quer dizer, fiquei com dois naquela noite,prá completar, porque o seu Jorge , só é bom nas cantadas ahah tá vendo, não sou tão facinha assim...
como me disse a Monalisa em sotaque mineiro: -Si um num é compreto, nóis pega dois, uai...
Papo vai, papo vem...- e o que que a gata tá fazendo nessa tarde de sol?
-bem, no momento eu tava atropelando um gato!
Já tava anoitecendo no motel.Bendito atropelamento! O cara tinha uma performance invejável,principalmente prá quem pertence a essa geração "toddynho de caixinha". No meu tempo, toddy tinha "ENERGIA que dá gosto" e era na xícara com leite tirado da vaca.
_Gata, a gente podia ir namorar na praça...
Orra, meu! Namorar na praça!?! que que a gente tava fazendo até agora?Bom, acho que ele quer começar tudo de novo. Vale!
Lá fomos nós prá praça...
-Que bom que a lua tá cheia!
-Tá??? Porque isso é bom?
putz, esse cara é freak!
-Porque é mais romântico!
-É???
-Sabe , eu to com vontade de me apaixonar, de ter alguém que me ajude a escolher os pratos prá minha cozinha,de ter alguém prá assistir o jogo do Palmeiras de domingo agarradinho comigo, vibrar juntos quando o verdão fizer um gol, depois sair prá ir tomar sorvete na praça, de fazer amor olhando a lua ao som de Roberto Carlos...
Comecei a ficar apavorada!e me lembrei que minha avó não estava passando muito bem hoje...preciso ir embora!
Sempre desconfiei que metade dos problemas da humanidade se deve a esse tal Roberto Carlos...
-Orra, cara, que legal! quando você encontrar essa pessoa você me conta ,prá eu ficar feliz por você...
-Você nao tá entendendo, eu já encontrei...
-E o que que você tá fazendo comigo aqui, que não está nos braços dela?...
Claro que eu não sou tão burra e tava me fazendo de árvore...
Instalou-se um minuto de silêncio sepulcral... um minuto de silêncio pelos mortos dessa relação e desse amor nati-morto... por mim, por ele, pelos momentos que não passaremos juntos, pelos filhos que não teremos, pelos netos, pelos amigos que não faremos juntos, pelos beijos que não serão dados, pelas gargalhadas que não daremos juntos.... enfim.....um estrago incalculável...um luto só...
Pensei: muita calma nessa hora, é melhor eu ser direta...
-Sabe gato, é que faço a linha " já comi"! depois de um 69, nada melhor que um 96, dar as costas e sair...Não gosto de me relacionar mais que 2 vezes com a mesma pessoa... não que eu seja vadia(longe disso!!!!!!) ou por maldade,é que me apego fácil, e aí complica... fico pegajosa e aí até você não ia gostar...e depois , o pior, eu DETESTO o Roberto Carlos...
-Ah, mas não precisa ser o Roberto não, foi maneira de falar, pode ser o Zezé di Camargo!
Ah bom!!!! agora tudo muda!
Bom,esse texto todo confuso, que só vocês , ou nem vocês prá terem saco de ler,foi prá chegar a uma só conclusão: o gato provavelmente valeria a pena, se não tivesse chegado tarde, porque hoje em dia quem controla as paixões do meu coração desvairado, sou eu mesma... e... só me apaixono quando minha cabeça tá precisando de um bom derivativo!!
Aí vocês podem me dizer:- Orra, Rê Bordosa, ce se acha, é? Que que tá te faltando?
Olha, no momento uma cozinheira, se alguém souber de alguma manda lá prá casa que eu pago bem!
PS: Medusa, não era esse o texto que tinha te falado, mas é que esse fato tava muito fresco, fica o outro prá depois...
.

segunda-feira, julho 07, 2008

Sunday, bloody sunday


Dia destes, li alguma coisa sobre o teor funesto dos domingos.O domingo para grande parte das pessoas é associado a algo assim como morte ou dor.Algo que lembre o fim de qualquer coisa boa, no caso, o fim de semana, e o início de algo não tão bom assim,a semana..É o fim da cerveja da sexta,da trepada do sábado, do sorvete do domingo a tarde, do não fazer nada, do não ter hora prá acordar,da macarronada da nona, do porre,dos pequenos prazeres da vida, e o começo da correria, do trabalho, do stress , do trânsito...enfim...

Visto que o maior índice de suicídios da semana ocorre no domingo a noite, não como muita gente pensa, quando se inicia a musiquinha do Fantástico, mas no exato momento em que a Glória Maria entra no ar;a OMS obrigou a Globo a retirá-la do programa.Os índices diminuiram, mas ainda estão bem acima do aceitável, uma vez que os outros apresentadores insuportáveis continuam,pois ali, todos são escolhidos a dedo (a dedo do meio).É o metro quadrado com maior quantidade de chatos do país.Soma-se isso, mais aquilo que ocorre com muitas pessoas, como no meu caso, o único horário que sobra prá visitar a avó, somos obrigados a assistir pelo menos parte do indesejável programa ...

Aí, cada pessoa reage de uma maneira: tem quem se deprima, se jogue do sexto andar,jogue filhos pelo sexto andar,chore, cerre os pulsos, desespere...

Minha amiga Janis Joplin, se comporta de modo atípico e peculiar... ela dá pálas...Ô sujeita palosa! Ela é a mãe das pálas, nasceu antes das pálas... Ela trêbada no sábado a noite é capaz de dar menos pálas que no domingo sóbria...Ela dá pála prá tudo que é lado...Dá pála pro porteiro, pro ascensorista,, pro vizinho que leva o cachorrinho pra fazer pipi na calçada, pro cachorrinho....e como diria o Zeca Baleiro, pro delegado, pro padeiro...

É aterrorizante.....Totalmente sem controle.Todo tipo de pála: pála-romântica, pála-raivosa, pála- sexual, pála-amiga, pála-palosa.
Pála em várias formas: pála e-mail,pála telefonema, torpedos-pálas, pálas ao vivo, pálas em orkut... pálas, pálas, pálas...

Pálas para todos... pro namorado, pro ex-namorado,pro futuro namorado em potencial,pros amigos, pro ficante...pessoas de passado recente, de passado remoto, pro menininho do maternalzinho , quando ela abaixou a primeira calcinha, afinal, a primeira calcinha abaixada a gente nunca esquece....

Um inferno! e o naipe das pálas então, completamente sem noção, como ela mesma diria: pálas "assustadoras", pálas "fenomenais", pálas "losers", pálas "palosas"...

Já pensei em várias formas de poder ajudá-la a não dar pálas, mas quem nasce paloso, jamais deixará de ser....Até já pensei em chegar domingo a noite e amordaçá-la ou ceder gentilmente a minha jaulinha sem direito a celular , sem computador, incomunicável...mas, percebi que essa palosidade dominical já está virando caso psiquiátrico, e seria bem-vinda a ajuda de um profissional, pois sozinha não vou dar conta...ele poderia, sei lá, receitar um sonífero, que somente a deixasse acordar na segunda de manhã, quando tudo tivesse voltado ao normal...mas enquanto isso não é possível, vamos continuando a conviver com as mais incríveis pálas de que um ser humano é capaz...

O fim de semana mundial das minhas pálas - parte II

Acordaria no domingo com um pedaço de pau cravado no peito.
ui, drama!
calma, que melhora...
O cara havia mesmo se apaixonado pelo meu cérebro. (que beleza!)
E eu queria era um cara que não parasse de pensar no meu sexo, no meu corpo, no meu cheiro...
(será que nunca vai rolar as duas coisas juntas?)
fuck!
Um mês sem que alguém me escancarasse os sonhos naquele domingo... eu e duas outras loucas corremos ao bar para umas polentas e muitas cervejas...
Tudo caminhando bem, até que começou a coçar um desejo idiota de obrigar o doido a olhar para minha poética e abandonar sua lógica...
(é que sou uma adepta dos objetivos inalcançáveis quando morro de amores - coisa de otária, fazer o quê?)
meu celular virou um canhãozinho disparando nos torpedos para todos os contatos "fodíveis":
"ei, tou com saudade, hein gato?"
"ow, vou pra sampa semana que vem. vamos fazer algo?"
"aí gatão... saudades do show do iron. foi demais"
"it's a kind of magic..."
e por aí foi, cada uma frase pra um menino diferente, esperando um carinhozinho-pelo-amor-de-deus naquele fim de domingo vagabundo, que eu só fiz trabalhar e pensar em planos de ensino, pesquisas sobre tv, e...
nele...
pensando o dia todo na minha decisão de não vê-lo mais, não conversar mais, fazer ele desaparecer desencruado da minha vida - como havia dito no e-mail que ele nem se dera ao trabalho de responder...
que ele já tinha era desaparecido mesmo, voltado com a ruiva serial killer, agarrado uma aluninha cretina de pedagogia, trepado com uma dona de biblioteca só pra poder compreender o sentido da vida no meio dos cheiros de livro velho...
tá, tá passou.
E não é que dos 4, nenhum me disse nem oi?
Olhava praquele celular (arma em mão de bêbada), olhava pra cara das amigas... pras polentas...
ninguém conseguindo me dar uma resposta satisfatória (como se fosse possível).
e aí véi... aí fodeu:
cheguei em casa, abandonei os pudores todos, disquei o número dele.
nem sabia o que ele tava dizendo de verdade, porque tudo ecoava como "não", cada uma das palavras que eu ouvia, eram todas "não","não","não" e "não".
Ah, mas segura que eu aguentava mais um não naquela hora! Não aguentava não! E, mesmo que jure de pés juntos que dizia outras coisas, eu sei que ali eram os nãos...
Peguei só um casaco, minha caneca de cerveja, corri pro portão dele, in-sinceridade aflorada de tanta mágoa, tanta raiva, e, na verdade... tanta falta...
toda a falta tava ali: eu virei um buraco ambulante, onde mal cabia nada, de tão vazio, dolorido, saudoso, sei lá... um cu. Eu era um cu.
E exigi mesmo: por que não respondeu meu e-mail? Porque não vem me ver? Por que não é tudo como eu quero? Por que eu não consigo aceitar que não é tudo como eu quero? Nhe nhé nhé! Sou uma menininha mimada de cinco anos novamente! Faça o favor de me freiar!
E foi aí, nessa exigência de que me colocasse os limites, que virei a ditadora da história que era toda uma anarquia bonita demorada a ser contruída, sem revolução, só de muita afinidade...
"que e-mail? eu não vi o seu email..."
"diga tudo o que quiser, eu não te darei os limites..."
"seja tudo o que quiser, eu não te direi o que ser..."
E eu, desacostumada da liberdade, entendi que ela dói. Talvez, por isso, ninguém queira. Mas entendi também que sou muito livre. Talvez, por isso, ninguém queira também.
(Antes, aqui seria a hora de eu dizer "alguém me ponha o cabresto"! Agora não, não... faltaram palavras, mas eu entendi.
Fuck!
chega de poesia, filosofia e auto-ajuda barata porra!
resumindo a pála:
Num domingo de carência extrema, enchi a minha cara. Não bastasse o álcool e duas amigas me fazendo companhia, mandei 4 mensagens pra 4 caras comestíveis diferentes no celular. Nenhum deles me respondeu. Resolvi desenterrar o cara pra quem eu andava dando a pála suprema nos últimos meses: liguei pra ele, bebaça, fui na casa dele dar escândalo, passar vexame...
Afinal... o cara tinha que ter respondido o meu e-mail! Era a coisa certa a se fazer com alguém que te manda um e-mail terminando tudo, encerrando a história, caralho!
A surpresa foi o cara não ter lido o maldito e-mail...
A cara de besta da pessoa aqui foi pro chão. Bêbada num nível de não conseguir formar uma frase, cobrando coisas impossíveis de se cobrar numa história onde não havia cobranças, viajando completamente...
tava a fim de merda, saca? Acordei da pá virada. Parecia que alguém tinha passado a noite mordendo minha bunda...
Caguei qualquer possibilidade de alguma coisa com esse cara. Fui dormir tristésima. Acordei numa ressaca moral que dava vergonha até de ligar para pedir desculpas. Mas, liguei... quase morri, de tão minúscula que fiquei ali...
E, o pior foi ao longo do dia: os quatro caras foram me respondendo os torpedinhos, um por um... e cada vez que eu lia uma mensagem, era um pouco mais da minha estupidez catársica que ia se desnudando...
Por que esses filhos da puta não me responderam ontem, antes de eu surtar?
fuck!
Algumas pálas superam o status de pálas. Essas pálas devem ser contidas. Ainda vou pensar num nome para elas... por enquanto, são as pálas-polenta.


terça-feira, julho 01, 2008

Calculadoras são loucas


Atropelei o boneco que saiu de debaixo da caminhonete. Boneco mesmo, que não era gato nem cachorro, um ursinho de pelúcia mais pesado talvez (e estropiado), que me saltou na frente dos faróis, 110 km/h.
Passei em cima mesmo, dois solavancos. Que se a caminhonete da frente não matou, meus pneus terminaram o serviço.
Fiquei chocada com a falta de dor, com a frieza, com não secar nem a garganta, nem um friozinho na barriga e nem uma dorzinha de consciência.
Cheguei em casa e logo encontrei o Drummond.
O Drummond me faz umas companhias quando estou assim: 1+1=2.
Mas ele é um bagaceiro que logo corrompe as minhas contas, de jeito que nem calculadora científica de engenheiro dá conta de descorromper.
Resolvi, então, compartilhar-lhes a companhia. Aí vai:

Amar - Carlos Drummond de Andrade (Antologia poética, 23ª edição)

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Ontem eu ouvi aquela do Cazuza... descobri que ele me descreveu: um blues da piedade. Pessoa de alma bem pequena.



Mas só com o Drummond entendi que eu mereço piedade, porque não sei amar não: 1+1=2.
Fico esperando alguém que caiba nos meus sonhos.
Minhas doações andam limitadas e esperando gratidão.
E andar “ponhetando” por aí... nas palavras fica fácil!
Também peço piedade quando canto. Mas quando amo...
Então só amo nas letras?
E quando 1+1=2 perde todo o sentido?
É quando te descrevo no papel?
Mas, sem letras, à vezes, 1+1 parece poder alcançar todos os números: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8... e a sua imagem remete à água implícita.
Nesse momento, o chão se dissolve:
Atropelei foi a minha alma com aquele gato hoje!
Ela está na estrada estropiada até agora, esperando você telefonar.
E nenhuma calculadora do mundo está certa nesse momento.