quarta-feira, agosto 20, 2008

Escrita


Ontem, ele ia me dizendo que, músico, palavras não bastam.
É que teria uma incompletude entre elas que não o permite dizer o que é, de verdade, que assovia em seu dentro.
Porque pensamento de músico assovia...
E aí, que ele fica correndo atrás das palavras, do jeito certo de elas encaixarem, como se fosse montar aquela fila de dominós gigante, para, no final, todas despencarem direitinho o caminho e formarem o que significa que significavam antes, no que sentia.
Mas que a pilha caída nunca forma certo o assovio, nem as palavras, nem bater foto, ou desenhar.
O assovio só significaria quando assoviado, tocado no piano, no banjo, essas coisas...
Foi que eu vi: essa mania de gente que escreve, de correr atrás de rearranjar palavras na pauta, sem pausa, com pausa, uma frase abaixo, outra acima, volta pra mesma linha, apaga, amassa a folha, começa de novo, sem pausa, com ponto.
Vicia tentar explicar os nossos assovios, de forma diferente do que eles vêm, assovios, dores, prazeres, calafrios, fomes, e todas essas coisas que a gente dá nome, mas não são o nome porque são outra coisa, porque são pra mim e não pra você, ou pra ela.
E até os acordes, as notas, quando chegaram no piano eram outra coisa, do que antes.
Mas ele insistiu nas palavras, e eu, em que pé de poeta, nas músicas, que também não diziam tudo, deixando ao léu o que significavam em “ex-sência”. Porque não há um único ser que interfira na essência, porque essência não existe, é “ex”: já foi, já era.
Essência é sonho pobre de escritor, que precisa de plano pra seguir vivendo e não encontra mais nada, além de parcas 26 letras e horas e horas para dispô-las de maneiras diferentes.
Palavras não bastam... mas eu tenho muito tempo.
Enquanto não busco nada, brinco de rearranjos. Não é pela essência, é que acho bonito fazer fogueira dos significados e ver as labaredas tomando todas as formas possíveis...



Mari Brasil

3 comentários:

pequena sereia disse...

E esse doutorado é em literatura é?! :) lindo!

Rê Bordosa disse...

e cada um ainda dá o significado que quer , conforme a própria dor....

Das Duderik Mussi disse...

Mari, mais uma vez puxas o tapete, não debaixo de nossos pés, mas de cima daquilo que tentamos escamotear, dos nossos vícios. Somos viciados em palavras, são elas que roubam nossas vidas e a de que nos cerca, são as palavras que nos impedem de sobreviver, entretanto são elas que nos impelem à vida plena.
Que continues assim, uma viciada como eu, e entre verbos e substantivos, entre predicados e sujeitos percamos a sanidade para encontrá-la a cada ponto final!
Beijos!