sábado, julho 28, 2007

A lenda


Há muitos e muitos anos, existiu uma terra encantada e misteriosa, que tinha todas as suas faces banhadas pelo mar. Nesta terra, numa destas poucas noites de névoa, onde a magia paira confundindo os corações determinados, ela caminhava fora de todas as direções.
Em busca de algum tipo de conforto, invocou as palavras que, segundo a lenda, a levariam ao encontro de um estranho que a ouviria em todos os seus lamentos. E que, com ela repartiria também alguns dos seus, para que juntos encontrassem soluções.
Quando abriu novamente os olhos, lhe reconheceu: o estranho havia sido enviado. Ela sentou ao seu lado e iniciaram uma longa conversa, a princípio, bastante séria. Mas que foi se tornando, de tão suave, algo parecido como uma conversa de crianças.
Depois de tantos sonhos trocados, perceberam que ali não haveria soluções: enquanto falavam, eles subiam ao ponto mais alto do lugar... e de suas intimidades: aquele em que se conversa confortavelmente em silêncio.
Olhando de cima, sob um céu estrelado que não se poderia enxergar, o mundo parecia pequeno e agitado perante o conforto que abraçou aqueles dois estranhos que o observavam como a um grande vazio. Estavam mergulhados em seus conflitos e medos, mas os deixavam de lado por esta noite mágica. Por mil e uma noites mágicas.
Entre olhares e sorrisos, uma cumplicidade que não haveria de ser explicada nem mesmo pela mais sábia esfinge. E que também não haveria de ser entendida, pois as coisas mais belas só permanecem assim quando há mistérios...
Mesmo em tantas tentativas de encontros e, de desencontros planejados, aquela estranha sensação de conforto, que a ele trazia tanto prazer, incomodava-a. Mesmo à distância, mesmo sem se tocarem, sem se verem, mesmo calando tantas palavras de amor quanto poderiam ousar, havia uma culpa, um receio, uma dor. O conforto, em verdade, se tornava desconfortável. E ela não sabia como ser gentil: havia muita intensidade em seus modos de amar.
Era necessário que recuasse pois não sabia como se manter afastada de tantas belas possibilidades quanto suas ilusões haviam construído. Procurou então em sua alma uma força que a projetasse para longe dali, daquela noite interminável de confusas sensações.
Usou novamente de palavras e o mistificou em mal, através de novas ilusões: tornou-o cinza, retirou seu brilho de estrelas e passou a escutar apenas as suas palavras, calando seus longos silêncios...
Pousou as mãos no colo, deu mais um olhar em direção ao mundo e percebeu que o dia nascia novamente, após longo descanso, lambendo a terra encantada com raios de sol.
Dizem que ela retomou a caminhada fora das direções por toda a eternidade.
Mas que, de tempos em tempos, olha para trás...
Um nó na garganta, seu coração mergulhado numa eterna dúvida:
"onde diabos deixei meu maço de marlboro light, porra?"

quinta-feira, julho 26, 2007

Pandora

Agora mudo meu nome. A sutileza e a delicadeza não mais me atrapalham, não mais me envergonham. Adoto-as.
Mastigo as frutas pagãs, lambo os dedos e os desejos. As causas de todas as dores... adoto-as também.
Os olhos vazios da menina sem infância, brincando no balanço de um parque qualquer preenchem minha solidão. Abraço a solidão: adoto-a.
O trabalho, o suor e o cansaço, pesando nas costas de um velho que assenta tijolos não têm minha indulgência. Adoto-os.
Mordo os lábios perante o mar. Entretanto, mais nada em mim é pura comoção. Adoto-a.
Fecho os olhos no escuro, medo de ver o que não se pode ver. Medo de ver o que se pode: adoto-o.
Dentro do poder que se oferece ao futuro, uma fina camada de gelo nos mantém a parte. Que esta não se quebre, porque senão... adoto-o...
E, ao adotar - para que finde a poesia que me mantém respirando a noite que chega - engolir o remédio seco e calar
esta vontade inflexível de me derramar em tuas linhas e te compor...

Mais uma de auto-ajuda

De novo, na inútil tentativa de se compreender o que passa na cabeça desses problemas ambulantes chamados carinhosamente de homens, uma pausa para a volta do besteirol. E como meu humor anda furado, vai ser um monte daquelas reflexões idióticas estilo auto-ajuda, sabe? Desculpem, mas quando eu tenho que dizer, eu tenho que dizer, porque aí eu me entendo. Nem que seja subindo pelada numa mesa de boteco, murmurando palavras ininteligíveis para o público de quatro garçons de fim de noite...
O fato é que uma amiga bem esperta me disse que “não podemos exigir mais das pessoas do que elas podem nos dar”. E, a partir dessa frase, tudo foi indo pro lugar na minha cabeça. Não sei bem que lugar, mas... enfim: eu pensava justamente o contrário. Eu acho que, pra uma pessoa merecer um espaço no meu coração (ui, que brega!), ela tem que me dar o impossível e mais um pouco. Sabe o que? Sabe “amorzinho morno”? Eu não quero! Sabe “segunda opção”? Eu não sou! Aí tem a outra frase: “você fica testando todo mundo”. E eu fico mesmo! Quero saber até onde vão aquelas promessas melosas de pré-foda, pós-foda, meio-de-foda! Quero saber o quanto essa paixão berrada aos quatro cantos é de verdade. Quais os limites dessa brincadeira? Até que horas as pessoas acham que vou ficar esperando a lua e todas as estrelas mais brilhantes do céu? Eu tenho cara de freira?
Sabe o que mais eu tenho? Medo...
Tenho medo de ser inconveniente, de incomodar, de estar no lugar errado, de ligar quando não querem, de não ser desejada. Tenho medo de que sintam pena de mim. E, pior: que fiquem comigo por isso – pra mim não existe motivo pior para se estar junto de alguém. E, pra mim, é uma das piores ofensas – duvidar da minha capacidade de seguir vivendo, sem qualquer pessoa que seja. A verdade é que dói no começo, mas sei ficar sozinha comigo e gosto. A companhia do outro só é requerida se esse outro for especial demais e... se ele quiser! E é estranho como as pessoas parecem julgar a minha “necessidade” de ter outra pessoa: a verdade é que ela existe. Mas, de um jeito diferente.
Como é que se encontra a medida entre exigir demais do outro e ir atrás do que se quer? Alguém conhece algum monge budista que conseguiu? Eu exijo demais do outro? Mas, eu não mereço demais do outro? E, se mereço, talvez não seja o certo procurar um outro que seja esse mais, ao invés de ficar tentando mudar alguém para que se equipare às minhas expectativas? Testando, incomodando, cutucando, enlouquecendo... não consigo ver humanidade nisso.
E, por isso, eu sigo procurando. Mas tenho consciência de que, talvez, não ache nada. Em compensação, aprendi a achar a busca divertida... o que diminuiu bastante o sentimento de frustração de, no final, não dar em nada e a busca se reiniciar: a movimentação tem sido satisfatória.
E mais uma frase que tem me doído a cabeça: “você não busca todas essas pessoas que você fica quando sai à noite. Você busca uma pessoa só”. Só uma, mesmo. Talvez... mas seja lá quem for, sei que ainda vou buscar muito. Sei também que ela não é para sempre: já achei algumas em meu caminho. E estar com essas pessoas é bom demais. Mas, procurá-las também é bom...
A verdade é que esse texto não faz o menor sentido. Um monte de idéias desconexas que estão me pentelhando no momento e que não rendem nem respostas, nem ligações, nem mesmo um esboço de alguma coisa bonita de se escrever para se postar num blog num fim de quinta-feira. Eu sinto muito se você perdeu seu tempo para ler isso, mas... enfim, desculpe.

terça-feira, julho 10, 2007

De repente...

O ontem acabou em sorrisos e beijos trocados:
um novo encanto, talvez promessas... comida e música boa.
Conhecê-lo... calma.
E um beijo na testa.


Mas, o dia seguinte nasceu atrasado,
errado mesmo, mau-humorado:
os documentos não deram certo,
os médicos não deram certo...

Os planos de fugir de férias:
encurtados pelo encurtamento das férias:
quatro artigos acumulados,
uma prova - e eu sinto que não nasci para passar por elas...

A cirurgia para voltar a enxergar o mar do lado de dentro...
é cara. Ui!
A vontade de deixar esta casa também está forte,
abraçar outra nova cidade: assumir que não volto – por ora...

Mas aí fodeu de vez: depois de abrir a agenda, (maldita, que eu nunca abria!)
e ler o papel que pulou de lá de dentro, (armadilha montada por mim, pra mim!)
passar a língua nos dentes (não lembrava onde tinha colocado aquela folha de papel),
reencontar marimbondos e mariposas e guardanapos de papel e uma menina que bebe guaranás mundo afora e... pronto:
me sentir "Blue Monday", numa terça:

Relembrar aquela voz, lendo alto (uma lista telefônica que fosse!)
Que parte eu perdi, (sorrindo)? Onde eu estava,
quando essa vida toda aconteceu...
senão voando ao redor de uma lâmpada?

Life is what happens to you while you´re busy making other plans... (John Lennon)

sábado, julho 07, 2007

Caricatura


Legal, boazinha, ciumenta, fiel, crítica, vingativa, persistente, fútil, megalomaníaca, sincera, chata, graciosa, metida, sem-vergonha, inteligente, vaca!
Que porras de adjetivos são esses que me enxergam? E vão amontoando na tentativa vã de me constituir um só?
(Como é que eu não me enxergo esses pedaços?)
Como é que eu não junto tudo num desenho da minha cara e dos meus seios e dos meus braços e do meu sexo e das minhas pernas e dos meus pés descalços na grama que não pisei hoje, nem ontem, nem terça!
Por que ela não nasce das minhas letras no papel, dos meus desenhos no papel, do meu assobio improvisado de melodia minha?
(Como fosse um estalar os dedos...)
Mas quem sou eu para amadurecer se ainda não completei a adolescência de juntar meus três nomes e ter um esboço de quem quer que seja?
(Não colo esses meus cacos...)
Quando sobram esses adjetivos que, juntos, não me formam. Mas... me nomeiam?
Nomeando, sou eu?
As quatro linhas tortas, início de caricatura? Ou o pão crescendo no fogo do forno?
As letras juntas do meu nome, mais os adjetivos, mais os pedaços de história reconhecida, na boca dos que não morreram ainda e dos que já foram, sobra o quê?
Esse cheiro?
Esse cheiro sou eu?
Ou esse nariz que me cheira sou eu?
Quem está agora deitada na minha banheira? Quem abre espaço na água morna para que eu me deite?
Essa idéia...
sou eu?
A foto na escrivaninha: olhos mansos e sorriso largo.
Essa imagem...
Não! Não era eu! Não sou eu!
E ainda dizem por aí que... sou eu!
Mentira!

Andam difamando esse meu não ser...

ah, vida...

Tem dias em que acordo e não me identifico. Fico vagando pela casa, buscando alguma coisa familiar, mas não: nada parece familiar. De quem é essa outra vida que estou vivendo, tão desinteressante e sem sentido, como se eu fosse mesmo uma pilha na matriz, um dos circuitos do programa, totalmente coadjuvante.
Fico lembrando daqueles documentários horrorosos da década de 40, sobre as linhas de montagem dos carros da Ford, uma pessoinha atrás da outra, cada uma, um parafuso a se apertar, para, no final, alguém bem mais interessante do que eu guiar a porra do automóvel.
Talvez seja só o meu sonho hollywoodiano pequeno-burguês de viver de festa em festa, uma necessidade estranha de que todos os momentos surpreendam e de que, um dia, chegue a minha vez de pular de pára-quedas do edifício em chamas.
A rotina me tende ao nada... apertando parafusos, sem qualquer esperança de reviravoltas e novidades nas engrenagens. O que fazemos com os nossos dias é pura distração.
Trabalho? Distração. Estudo? Distração. Ouvir música? Distração (por sinal, a melhor que inventaram). Sair para dançar? Distração. Amor? Distração. Lavar o carro? Distração.
Temos de ser criativos: inventar novos modos de distração para continuarmos nos distraindo... chegando à conclusão de que a vida é pura distração. E, se não é... o que é?
Tem dias em que acordo e nada pega fogo. Esses dias... são todos os dias.

terça-feira, julho 03, 2007

Silêncio!

O tempo passava e ela superava, com dificuldade, alguns dos obstáculos (im)postos à prova. Cada vez menos podia dizer e, ao perder as capacidades de dizer, perdia sua capacidade mesma de ler o mundo. Pois em sua leitura, já estavam suas palavras sendo ditas, incorporadas antes à sua alma, num outro gesto de leitura.
Seus textos passavam e ela os deixava passar, com medo da voracidade com que o outro pudesse lê-los, julgá-los e apagá-los, deixando o dito por não dito, perdido que estava em sua própria leitura das outras leituras – perdido que estava em seu dizer, que não incluía o dela.
Nos mil monólogos que se seguiam, ela se via silenciada. E tentou pedir, tentou mostrar como o seu silêncio significava: disse, através dele, dos seus receios quanto ao julgamento do outro: disse que se sentia intimidada pelos dizeres do outro: estendeu sua mão e esperou o resgate de suas palavras: o resgate de sua leitura pela leitura do outro.
Mas, suas palavras já estavam julgadas, antes mesmo de ser ditas. Não poderiam competir com as do outro, perdido que estava em desvelar e expressar todas as dores que sentia, fruto de sua estúpida humanidade, construída pelas leituras mesmas que ele fazia, que nunca, nunca, poderiam ser as dela – suas palavras não valiam.
E ela também tinha dores e uma maior começou a aflorar quando percebeu que em nada era capaz de expressar seus dizeres a ele, nem mesmo pelos silêncios, nem mesmo através de seu corpo, que tanto falava e tanto gostava e tanto tinha a mostrar. A hora chegara: ela estava muda.
Muda, envolta num turbilhão de sentimentos que condensavam na garganta e nela se estabeleciam como um câncer. Muda em sua curiosidade de lê-lo: este ser inacessível que papagaiava os problemas do mundo e não os lia como seus. Sempre buscando estes “seus” em algum texto transcendental, sem perceber que já estavam lá, em sua leitura: eram as palavras, seus problemas.
Muda, não há como se relacionar com o mundo. Especialmente, com o mundo dos dizeres desse outro, que implica palavras pouco ortodoxas e às quais ela não tinha acesso e desejava tanto ler. Muda, não poderia dizer o quanto amava a curiosidade de ler aquele mundo e de fazer parte dele. Muda, não disse como amava ler as palavras do outro, mesmo que elas não fizessem nenhum sentido.
Muda, precisava gritar que muda, amou antes de julgar, amou antes de ler, amou o próprio gesto de leitura: porque não há como se ler este amor pelas palavras através das palavras. Muda, os sentidos deste amor pelas palavras tendem ao infinito, sem palavras.

Ansiosa

No aguardo,
eu guardo o fundo da minha alma
entretida apenas pela insegurança de ser
ou deixar de ser

Nesse outro,
persigo a afirmação de quem sou
e do infinito que se aloja em meu peito,
nessa nova descoberta de mundos a vir

Num segundo,
ranjo os dentes e me contorço em pânico,
ansiando pela resposta que percorrerá todas as distâncias
e me alcançará para não mudar nada.

Nem mesmo,
todos os efêmeros traços de delicadeza,
calculados sob a égide de um longo desencontro,
findam a impaciência da minha esperança

Em mim,
o tempo não passa,
mas a vida continua, mesmo em suspense
e o passado já é presente em minha futura dor.

segunda-feira, julho 02, 2007

A Mexicana


Que corram lado a lado, ilusão própria dos amantes
Entregues ao sexo e às suas próprias convicções
Derramam-se tanto sobre suas peles
Que se regozijam, mas se afogam, sem perceber,
nas tristezas um do outro

Busquem a glória das conquistas
dos corpos e mentes desejados
Exaurindo qualquer resquício de empatia
Preenchendo sua própria solidão
No domínio que mutuamente se exercem

Que as lágrimas sejam mais constantes que os sorrisos
A dor, mais constante que o prazer,
A graça, contida no pote vazio
De se saber quem ganha e quem perde
Sem nunca se saber quem é

E dessa busca, de mim, no outro,
Espero mesmo suor e sangue e paixão ferventes
Pois quem busca o amor cede a tudo
E meu desejo não é ceder
Mas o balanço de não me encontrar e continuar me buscando

Nos olhos doentes dos próximos que virão:
Num bote sorrateiro arrancar suas asas,
para, aí sim, deixá-los livres: já não voam mais
Sendo o maior arrebatamento o jogo,
da paixão, eu quero o drama.
E não a suposta felicidade.