terça-feira, setembro 11, 2007

Me fugiu



Me fugiu a cachorra hoje de manhã. Com ela, toda a minha paciência, minha facilidade, meu bom-humor. Era isso: a cachorra brincando comigo na rua era o destino me sorrindo orgulhoso, me avisando “cuidado, não se permita larga extensão do sorriso”...
A cachorra pulava de um lado para o outro, corria no meio da rua, bem na hora em que eu saía, já atrasada, morrendo de sono, para a aula. E eu sentia alguém bem longe rindo às minhas costas, zombando das minhas tentativas vãs de segurar a bichinha... me escapando pelos dedos, sem que pudesse fazer nada.
Uma coisa tão boba... e eu chorei! Como uma criança! Como viver assim? Rodeada de uma sensação de impotência que penetra os ossos? Ainda sou essa criança? Quando foi que eu esqueci de crescer, onde foi que não aprendi essa parte?
E depois de conseguir ajuda e de prender a cachorra, esse sentimento tomou conta de todo o dia: foi um guarda-roupa que o cara não veio montar, foi um trabalho que eu estou com medo de não conseguir fazer, foi encontrar aquele homem no meu café e não saber o que dizer, como agir. Ele também, me escapando por entre os dedos...
Cheguei em casa e sonhei que minha mãe me levava para cortar os cabelos. Estou me sentindo feia e vazia. E constantemente agoniada com essa sensação de impotência. Cortar os cabelos significa que está na hora de mudar. E as mudanças me apavoram demais.
O choro por não conseguir dominar aquele animal talvez fosse outro: não chorei ainda a sua perda. Mesmo porquê, como a cachorra, ainda imaginava que ele me escapava pelos dedos e não, que já havia escapado.
Sonhei, anteontem que o encontrava. E que ele me olhava fundo e perguntava se eu finalmente havia ido lhe pedir perdão.
Pedir perdão? E eu ainda tenho culpa? Não sei do que sinto essa culpa! Mas ela vive aqui dentro e me trava todas as vezes que o vejo. Por que? De que?
É como se eu chamasse a cachorra e, quando ela chegava perto, tentava agarrá-la pela coleira, ao invés de lhe fazer um carinho. Foram tantas as vezes em que não consegui, que ela não veio mais, desconfiada. É como se eu tivesse feito algo errado que o afastava. Mas, sem saber o que foi, continuei fazendo e esse algo o afastava, cada vez mais. E eu via a cachorra sumindo no mato, como via o olhar vago dele, sumindo de mim...
Parece que a culpa é minha se ele agora me olha desconfiado. É minha?
Controle: se a culpa foi minha por deixar a cachorra solta ao abrir o portão... eu controlei isso? Abri o portão pra ele? Mostrei a rua? E, se mostrei, por que ele quis? E, como ela, não atendeu o meu chamado? E não voltou pra mim?
Aí eu me torno assim... tão desinteressante, feia e vazia... muito mais do que a rua cheia de folhas e um galopar pelo mato alto... mas a cachorra foi para mato alto! Isso eu posso entender! E ele... ele entrou em outro portão! E lá ficou, com ele ainda aberto!
Nessa hora, sempre me pergunto o que há errado com o meu portão... como se tivesse algum controle sobre as suas preferências de portões abertos! E sinto vontade de me desculpar, mesmo sem ainda compreender o porquê. Como a cachorra, ele nunca me disse, pois talvez, nem mesmo ele saiba...
Portanto,
perdão,
Me perdoa por ter te mantido do lado de fora do meu portão por muito tempo, te observando lá de dentro com medo de te deixar entrar. Você era um estranho. E eu nada via da sua beleza.
Ignorei a sua vontade de entrar e até ri dela... dessa sua insistência inicial tão bonita, como a da cachorra para sair. Lá dentro, estava ocupado. Você precisou forçar meu cadeado...
Perdão por ter te visto sempre como um visitante e nunca como um morador. Você me parecia por demais vira-latas para querer ficar... e eu não podia me apegar... quando os cachorros fogem para o mato alto, eu fico triste... sinto falta.
Perdão por ter exigido uma postura para permanecer dentro do meu portão. Sei que você queria correr por tudo ao seu prazer, mas eu sou muito dura... quero as coisas como eu quero. Assim como você...
Perdão por não reconhecer todas as suas dimensões e te encarar apenas como um brinquedo novo...
Perdão por não ter corrido atrás de você como nunca, como corri atrás da cachorra hoje de manhã. Quem sabe eu conseguisse também alcançá-lo. Quem sabe, o convencesse a voltar pra casa. Não fiz isso porque pensei... que você sempre fosse estar lá. Porque duvidei do seu ímpeto de ir embora.
Perdão por não ter o portão de sua escolha. Por não caber nos seus sonhos de portões...

Por tudo isso,
eu me perdôo.
E, agora, posso cortar esse cabelo.

5 comentários:

Anônimo disse...

Já estive do lado de lá do portão. Desejava demais me aproximar, entrar e correr por aquele quintal... Mas não me autorizavam. Fiquei durante dias, com fome e frio, à espera de um assobio de entrega, ou apenas um comando: vem!
Numa manhã de sol já desesperada, olhei para o lado e lá estava... O mato alto parecia mesmo um refúgio perfeito, uma promessa de um pouco de vida além do portão... Apesar de triste corri. Sem olhar para trás desisti.

Rodrigo disse...

ja voltou o caozinho?

Stephan Seymour disse...

Cachorro que foge pro mato so volta quando passa fome. Mas, voce me parece uma moca inteligente demais pra deixar uma vasilia de racao a sua espera. Arruma um Rotweiller novo e quando o cao esfomeado voltar do mato faz o que se faz com caes esfomeados: Bota pra correr!

Pandora disse...

hehehehehehh! na verdade... eu nem penso na possibilidade do cão q foi embora voltar... aliás, penso bem pouco nele...
são fases, né? meu bode tá passando... fico com saudades qdo tou carente, mas... é normal.

Maria Cláudia S. Lopes disse...

adorei
bonito
bonita

e tá chuvendo!