domingo, fevereiro 24, 2008

África!


Quais as chances de uma pessoa sentada no café, às 23:59h de um fim de sexta, estar vestindo uma camiseta onde eu li “África Jeep” e ter, realmente ido à África?
Apostei, ali, na cadeira do café, meu pai, minha mãe, minha avó e eu, voltando da apresentação desbundante do Cirque du Soleil que ele havia ido à África.
E aquela suposição tornou-o uma das pessoas mais interessantes nas quais coloquei os olhos. Fiquei criancinha, esperando o milagre acontecer. Havia de descobrir se ele esteve na África...
Em sua mesa, mais umas 7 pessoas, todas mais velhas, fumando charutos fedorentos, conversando em voz alta, com ajuda das mãos. Ele parecia distante – com sono, talvez, mas se esforçando para estar interessado.
Um calor subindo no peito, entre alguns olhares trocados.
A garçonete era a minha chance...
Corri ao banheiro, coração disparado (não sei porquê! Mas batia tão forte!), arranquei um pedaço do envelope onde estavam os restos dos ingressos do circo e escrevi, sem nem perceber direito o quê, a letra, como. De repente estavam lá, todas umas frases para ele, que, se tivesse ido à África, seria muito, mas muito especial para mim (de onde se tira essas conclusões mágicas?).
“Te achei completamente interessante. Será que você realmente foi à África? Ou é apenas uma camiseta? Preciso saber! Me manda a resposta por e-mail?” – e o e-mail, e a assinatura.
Quando voltei do banheiro, papelzinho dobrado na mão suada e bem fechada, como se fosse uma borboleta que poderia voar para longe, sentei-me de novo à mesa e fiquei só observando. Não escutava nada do que meus pais diziam e tentava ignorar o francês horroroso que me olhava como um velho lobo na mesa ao lado.
De repente, tudo deu uma reviravolta: ele se levantou da mesa e entrou na revistaria, lá para dentro do café. E, de repente, meus pais pagaram a conta e começaram a esboçar um adeus ao café...
Em qual meio-termo eu me aproximaria da garçonete para entregar o bilhetinho azul-marinho do pedaço de envelope onde se depositaram esperanças estranhas minhas?
Minha avó foi na frente, seguida pela minha mãe e meu pai, em direção ao carro. Fiquei por último.
A garçonete estava parada na porta, entre o café e a revistaria. Ele estava na revistaria, voltando para a porta.
Será que passaria pela cabeça dela a possibilidade de se tornar, naquele instante, como que uma fada-madrinha que realiza meus desejos bobocas, vira uma ponte, um fio de telefone, um pombo-correio encantado? Duvido.
Puxei-a de lado e disse ao pé do ouvido: “por favor, entregue esse bilhete ao menino de cavanhaque e blusa preta. Ah! Ah! Blusa preta escrito África!”
Ela fez que sim, meio sem entender. Agradeci e saí.
Saí correndo em direção ao carro, com medo de olhar para trás, com medo que ele tivesse escutado porque estava tão perto, com timidez mesmo, daquelas que, às vezes, nos impedem de fazer coisas importantes!
Entrei no carro. Meu pai deu a partida. E eu voltei a respirar.
No caminho para casa, mesmo o sono apertando, não pude deixar de pensar que, talvez, a garçonete não entregasse o bilhete.
Ou que o entregasse à pessoa errada. Quantas pessoas com camiseta escrito África poderiam estar ali naquela noite? Meu deus! E se ela não tivesse entendido o que eu disse e o entregasse ao francês?
Pensei também que, mesmo que ela entregasse o bilhete ao cara certo, ele pudesse me achar uma louca, ou extremamente infantil, que era como eu me sentia naquela hora: uma menina que entrega um bilhetinho ao menino que gosta assim, sem razão especial: apenas uma camiseta escrito África.
Acordei e fui checar meus e-mails. Não havia nenhum sinal dele, ou da África.
Talvez ele até pudesse achar tão interessante quanto eu falar da camiseta escrito África, mas tenha perdido o bilhete com o meu e-mail.
Talvez... isso que estou pensando ser uma tremenda intuição sobre uma coisa que eu não sei o que pode ser, entre mim e aquele estranho da camiseta da África, seja apenas um desejo muito forte do inesperado faz-de-conta que espanta solidão... porque tenho sentido solidão!
Uma certa magia, mesmo que só um pouquinho mágica, mesmo que não tenha nada de mágica a não ser em mim, debulha um amargo do cotidiano e aponta o que ficou na caixa...
Acho que o circo fez isso comigo e eu nem notei o que me movia: eram aquelas cores, a música, os palhaços, os trapezistas...
me puseram uns óculos românticos.
Afinal, o que havia de tão importante naquela camiseta? Era um pano e uma palavra!
Olhando e-mails hoje de novo e, entre tantos outros assuntos e bobagens que eu ia deletando vorazmente, esperando que o próximo dissesse...

E, entre tantas outras coisas, dizia...

África!

(...)

“Estive na África no ano passado. E foi a melhor viagem da minha vida...”
E estava lá a minha resposta.

3 comentários:

Maria Cláudia S. Lopes disse...

que tudoooo!!!o cara então respondeu? adorei! fia, quanto a solidão meu deve estar impregnada nas paredes da casa, porque eu tb tô sentindo muito disso, a gente podia se fazer mais companhia...rsrsrs
bejo gata

Medusa disse...

Nossa adorei essa história! Podia dar um ótimo livro, sério.... dá vontade de saber o que acontece depois hehehehehhe

Unknown disse...

Salut ainda bem que ele respondeu,gostei muito da historia.