terça-feira, junho 26, 2007

Se alguém também quer saber....


Continuava naquela fixação de buscar, incessantemente. Nos reuníamos, os três, em volta de pilhas de livros e abríamos nossos vinhos tintos, somente para ouvir o barulho agradável das quatro primeiras ejaculações das garrafas. E pensar.
Após alguns meses, nos fechamos em nossas conchas de reflexões intermináveis e não havia mais quase nenhuma palavra trocada. Percorríamos caminhos doloridos e diferentes dos demais: não conseguíamos parar.
Nos enrolamos, de tamanha maneira em nossas cruéis redes de sensibilidades e curiosidades e saudades e necessidades e... o medo era inevitável, mas, queríamos saber.
(Um deles, há dois anos, se entregou, completamente à sua esquizofrenia e, finalmente, alcançou seu nirvana: morreu, de infecção generalizada num desses hospícios públicos onde se colocam as pessoas que fazem muitas perguntas para si mesmas.)
(O outro, como eu, está vivo. Seguimos as outras alternativas.)
Meu medo era tamanho que eu dormia debaixo da cama. Não saía mais na rua, não conversava mais com ninguém. Também, não havia motivos – ninguém me responderia nada.
Estavam me perseguindo, era fato. Sabiam exatamente, como colocar uma agulha no meu coração e fazê-lo bater mais forte, até que meu peito estourasse.
Eu ia morrer.
Não. Eu ia ser assassinada.
Não é permitido fazer certas perguntas. E nós já havíamos passado a um outro nível de questionamento. As perguntas proibidas... nós as havíamos formulado em primeiro lugar.
Alguém interveio: fui levada a uma psiquiatra, que estava interessada em meus sonhos. Me obrigaram a tomar pílulas, para que meu comportamento voltasse ao “normal”. Aquilo? Aquilo estava diagnosticado: era loucura.
Os medos eram tantos, que temia as páginas envenenadas das bibliotecas. Parei de ler.
Joguei fora o cigarro, porque era nele que colocavam as agulhas que faziam meu coração bater mais forte. Parei de abrir as garrafas de vinho, porque eles as pegavam primeiro e hipnotizavam seus sons para que me dissessem “não”.
E eu reconheci, então, porque os outros não perguntavam. Não porque não sabiam, não sentiam, não precisavam entender, mas porque sabiam. E a dor e o medo se tornavam insuportáveis.
Então, eu desisti.
Como todos, mergulhei fundo na distração: me importei com rodas de amigos e conversas inúteis. Me importei com as roupas que usava. Me importei com a risada das piadas da televisão. Me importei com a faculdade para terminar. Me importei em ter um bom emprego. Me importei em deixar meus pais felizes. Me importei com a cultura pop, com a fome na África, com a corrupção no senado, com o final da novela, com o futuro da educação, com o porre de sábado à noite, com a busca incessante por orgasmos e outras destas drogas que nos distraem, nos mantêm felizes e com os cérebros ocupados o suficiente para que não façamos mais perguntas.
Agora eu sou normal. Minhas ilusões são a minha realidade. E eu tenho que dizer que elas funcionam: me sinto feliz.
Mas, às vezes, no metrô, ao perceber as estações passando, a velocidade, o tempo...
as dúvidas me espetam novamente, num segundo de reflexão que eu preciso apagar,
com todas as minhas forças.
Eu estava mais perto do quê?

3 comentários:

Anônimo disse...

Também sou uma louca (diagnosticada) que agora se importa com o mundo simplesmente pq é isso o que tem que ser feito. E nessa busca que eu não sei mais de que (acho que nunca soube) me engano, não admito quem eu sou mas satisfaço exatamente aquilo que esperam (ou será que eu mesma espero?!) de mim.
Viagem...

Pandora disse...

bando de loucas...

Stephan Seymour disse...

Nossa! Muito louco e assustadoramente real esse teu texto! As vezes eu esqueco que cheguei tao perto de morrer de tanto pensar mas ao ler isso eu lembrei. Nossa, muito forte mesmo. Parabens!