sábado, agosto 05, 2006

Crônicas da dor e da caça - 02


Olho ao redor: casaisinhos pelos cantos. Muitos que nem se conhecem, mas se beijam e se tocam como se fossem íntimos. O sexo residindo na superficialidade. Eu já amei isso. Mas isso foi antes...

Antes de botar meus olhos naqueles olhos castanhos. Que bobagem. Não são os olhos dele que eu amei, mas o seu sorriso.

Ele disse que ia embora da festa. E eu disse “que pena”. E ele me beijou.

É difícil quando os beijos se acertam. Os nossos pareciam complementares. Desde esse primeiro, no susto.

Eu tinha passado a noite inteira olhando pra ele. Mas só no finzinho, bem na hora de ir embora ele teve coragem e se aproximou.

Andamos tanto naquele amanhecer... ele me acompanhou até em casa, era longe. E conversamos muito no caminho. Na porta, disse boa noite e entrei. Não o convidei pro meu corpo, não naquele dia.

No dia seguinte, quando já havia perdido as esperanças de ele ligar, vesti a pior roupa que tinha e ia saindo pra nadar. Quando abri a porta de casa, bem feia, ele estava lá, com o dedo pronto pra apertar a campainha. Essas coisas confirmam a lei de Murphy.

Envergonhada, mandei-o entrar. Não lembro o que conversamos, só que ele havia perdido meu telefone e por isso tinha vindo sem ligar. O encanto começou a começar...

Na semana seguinte ele se ofereceu pra mim: “quer um namorado?”. Que susto! Não ouvia algo assim há anos. Aliás, acho que nunca tinha ouvido. Alguém me notara. Me senti tão bem, com tanto medo de deixar alguém gostar de mim. Aceitei, pra ver no que dava, com não só um, mas dois pés atrás.

Alguns dias depois, depois de uma festa na sua casa, ele me convidou pra dormir lá. Eu estava bêbada.

E, no sofá, nos agarramos. Ele me levou pro quarto. E eu disse: “você decide. Não estou em condições de decidir nada”.

Ele decidiu.

Arrancar minhas roupas e me beijar inteira. Eu já estava um pouco descontrolada mas, depois disso, me perdi... não sabia mais se era eu ou ele que eu beijava e que me beijava. Era uma bagunça e um cheiro que até hoje me impedem de dormir muito rápido, quando lembro.

Depois de uma semana, no meio da rua, indo pra faculdade, nos despedindo, ele me beijou, o beijo complementar. E disse, bem baixinho no meu ouvido, enquanto eu olhava pro céu que estava azul demais, sem nenhuma nuvem: eu amo você.

Eu parei de respirar, atordoada com a notícia. Alguém me amava!

Mas me deu tanto medo... que não consegui me soltar, não consegui dizer, contar pra ele que eu também. Minha vontade era de explicar toda a minha insegurança, meus traumas, minha vida, pra ver se ele entendia porque eu não respondia, simplesmente, com a mesma frase. Mas não dava, porque o que eu tinha era aquele um minuto de silêncio antes de ir pra um lado, enquanto ele ia pro outro.

Então eu disse “eu ainda não posso dizer o mesmo. Tenho medo”.

Foi o primeiro de um milhão de erros entre a gente.

Ali, naquele primeiro mês, eu já comecei a saborear o fel de dois anos, devagarzinho, de amar alguém e não conseguir mais compreender nada. E errar, errar e errar em tudo, até que o amor não cabe mais dentro da gente e transborda, invade o outro, molesta, culpa o outro, culpa os dois e acaba por se consumir em mágoas e tristeza.

Quando percebi isso era tarde. O outro já estava longe, tomou o caminho mais longo pra casa. E eu fiquei aqui, também perdida, machucada. De volta à caça.

Por isso eu caço.

Pra esquecer.

Pra ocupar meu tempo, preencher o vazio que ficou.

Pra dizer pra mim mesma que, um dia, vou sentir tudo isso de novo.

Por medo de nunca mais sentir isso de novo.

Pra me anestesiar da dor, com cerveja e vodka e tequila e sexo.

Essa noite acabou. É melhor ir pra casa dormir.

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