E, não, eu não tava no bar. Pelo contrário: acordei mordida, puta da vida, do avesso mesmo. Tava mal-humorada, chata pra caralho! Tudo dando errado, tudo caindo por terra. Beleza. Quando eu tou assim, preciso de endorfinas. É, não há cerveja que dê conta, preciso de relaxante na veia mesmo, direto no meu cérebro!
Resolvi então, fazer o que sempre funciona: correr. Mas correr pra caralho mesmo. Uma hora seguida, ritmo forte... o quê, pra uma fumante inveterada, é o máximo que se pode atingir...
Botei minha roupinha meiga de boxe thai e fui pra pista. E me dirigi, alegre e contente, pra um parque que tem aqui perto de casa.
Chegando lá, me alonguei, enchi meu peito de coragem, acertei o cronômetro e comecei.
Lá pela terceira volta, passa um sujeito ao meu lado, correndo. Ele dá uma diminuída no ritmo dele e começa a me acompanhar, já puxando um papinho furado:
- Muay thai?
- É.
- Treina onde?
- Aqui perto, na rua blábláblá.
- Hum... eu treino jiu jitsu.
E o quico? Perguntei alguma coisa?
- Ah é? Interessante...
- Treina há quanto tempo?
- Uns cinco anos.
- Vem sempre correr aqui?
Eu mereço? Até na pista de corrida os caras não têm outro papinho?
- Não, é a primeira vez. Nem sabia se tinha pista, vim ver qual era.
- Ah tá. Eu corro aqui sempre.
Caralho. Eu não vim aqui pra jogar conversa fora. Quando eu quero jogar conversa fora, vou pro bar!
Tudo bem! Tudo bem! Sendo paciente, sendo social... você consegue! Afinal, já ia escurecer, e o tal parque não era exatamente o que se pode chamar de “bem freqüentado”, à noite. Se o cara continuar correndo comigo, tá beleza. E fui eu, correndo e engolindo o papo furadíssimo do mané. Conversamos aquelas coisinhas básicas: faz o que, quantos anos você tem, mora com a mãe, casada, enfim, aquelas baboseiras de sempre.
Acelerei o passo e cortei o papo. Não dava pra conversar naquele ritmo.
Corremos pra caralho. E, pelo visto, o cara corria mesmo, senão não agüentava. Fui diminuindo, pra fazer umas flexões, me alongar, etc.
E o papinho continuava. Tudo bem, pensei, não faz mal jogar conversa fora. Fui fazer uns abdominais...
E não é que o sem-noção vem botar a mão dele na minha barriga, com a desculpinha vagabunda de que queria ver se eu tava usando os músculos certos?
Fala sério porra! Eu não preciso de instrução! Faço esta merda há mais de cinco anos!
Afastei delicadamente a mão da ameba da minha barriga e continuei. Mas tava foda. O cara não dava sossego! Tudo que eu ia fazer, ele queria dar palpite. E os palpites dele sempre envolviam encostar em mim! E eu odeio que me toquem quando eu não quero, quando eu não conheço, quando eu não tou a fim!
Não me entendam mal... o cara até era gato. Mas era um boçal também! E eu não tava a fim de paquera porra! Tava a fim de correr! De suar! De não pensar em nada!
Mas, beleza, eu preciso aprender a ser educada, como minhas amigas têm me falado. A não mandar os caras pro inferno, porque nem todos eles tão a fim de mim e blábláblá. Ok.
Me enchi o saco. Fui indo pra saída. O cara tava de moto e me ofereceu uma carona. Sobre a carona:
1. Tenho pavor de andar de carona de moto. Se eu dirigir, menos mal, mas de carona, morro de medo;
2. O cara não tinha um capacete extra pra mim;
3. Era óbvio que o cara queria me pegar. E eu não!
- Olha, eu vou agradecer, mas vou andando. Tenho medo e blábláblá. Vou fazer o seguinte: vou pegar teu telefone e, quando vier correr de novo, te dou um toque, que tal?
- Tá, então arruma uma caneta.
- Beleza.
E... toca parar todo mundo que passa na rua atrás de uma caneta. Finalmente consegui. (eu sou boazinha demais e ninguém me dá crédito! Eu deveria ser canonizada pelo exercício freqüente da paciência em momentos abomináveis).
Quando estou anotando o telefone do tanso, aconteceu! Foi o auge do meu azedume! Eu não mereço isso!
- Aê gata, vamos dar uns beijos?
Bah... não! Não! Não!
Porraaaaaa!!!!!!
O cara tem 32 anos nas costas! Sabe que eu tenho quase 30! Meu deus! Isso é coisa que se diga pra uma mina de quase 30 anos? Eu não ouvi isso nem com 15! De moleques de 15!
“Vamos dar uns beijos?”!!!! Caralhoooooooo! O que esse animal tem no cérebro? Uma balinha de iogurte? Um coágulo que impede o raciocínio e a convivência pessoal?
Olha, eu acho que devo estar virando careta, ou que devo ser mesmo muito romântica, porque, honestamente... cara, que feio! Sabe feio? Foi feio!
Onde esse cara aprendeu isso? Numa letra de funk? Aposto que na próxima ele vai dizer “ae gata, eu vou morder o seu grelinho”...
Mas, o pior é que eu, nessas de tentar ser educada e não magoar a pessoa em questão, deixei de lado minha posição de educadora e dei uma de falsa moralista:
- Olha, você é legal, mas eu não sou assim... eu não curto sair beijando as pessoas que acabei de encontrar. Eu curto conhecer o cara antes, saca? (mentiraaaa)
- Mas a gente tá se conhecendo há duas horas, a gente se conhece pô, a gente correu junto!
- Não, mas isso nem é conhecer... eu não sou assim (mentiraaaa! e... deslavadaaa!)... faz assim: eu te ligo, a gente vem correr um outro dia e, quem sabe, a gente se conhece melhor (mentira! Esse telefone vai direto pro lixo! Melhor, vai pro inferno, que deve ser de onde você veio também, sua desgraça!).
- Ah gata, que é isso? A gente se conhece melhor beijando. Vamos dar uns beijos, vai?
- Cara, por que eu te daria uns beijos? Que que a gente ganha com isso? Eu nem te conheço, não tou a fim, deixa quieto. Outro dia eu te ligo, beleza? Até mais.
- Tá bom gata. Me liga, hein?
Claro... nos seus sonhos. Nos teus sonhos, ligar-te-ei!
Eu deveria ter feito um favor à humanidade e descascado aquela pessoa! Olha aqui meu filho, tu tens 30 anos nas costas e espera ficar com uma mulher dizendo pra ela “vamos dar uns beijos gata”? Você é bobo ou comeu merda? Isso é jeito? Antes tentasse me beijar na boca de uma vez!
Sabe o que é pior? Eu não dei mole pro cara! Mas, parece que, se a gente pára pra conversar com alguém, pra alguém te acompanhar numa corrida, isso significa “quero te dar”. Não! Não! Melhor: significa “quero te dar muuuuuito”! Fala sério!
Olha, tudo bem que eu não estivesse nem um milésimo de milímetro interessada por aquele cara. Ele não me atraía em absolutamente nada, é bem verdade. Mas, porra, se o Brad Pitt tivesse um papo tão besta e me dissesse “vamos dar uns beijos gata”, eu mandava ele ir pro inferno também! Eu acho o Brad Pitt tudo, mas, assim mesmo, EU NÃO MEREÇO!!!!